O menino e o Ogro

Menino enfrenta Ogro

O Ogro se sentou para mais um dia de atividade rotineira: destruir egos sobre o tabuleiro. Há décadas, dedicava-se com afinco àquela que era sua tarefa preferida e que executava com sucesso exemplar.

Em oposição ao Ogro, usando as armas brancas, um menino que mal conseguia apoiar os cotovelos na mesa de jogo cumprimentou-o como a um igual.

O Ogro não gostou.

Mesmo em posse das armas pretas, o Ogro tentou assustar o garoto, queria ensinar-lhe uma ou duas lições que aprendera com os anos e as abundantes vitórias. Mas foi uma imprudência. Mais que ninguém, ele deveria saber que não se pode subestimar a vantagem de começar uma partida de xadrez! Quando o menino jogou seu cavalo na casa quatro do rei, o Ogro percebeu que não teria um dia fácil.

Intensificaram-se as caretas e olhares ameaçadores para seu jovem adversário, porém inúteis, pois, tão logo movia suas peças, o menino saía a passear pelo salão de jogos para olhar as outras partidas.

A cadeira, então, se tornava cada vez mais funda, e agora era o Ogro que tinha dificuldades em apoiar seus cotovelos sobre a mesa. Os braços mal alcançavam as peças, o tempo em seu relógio do jogo, estranhamente, corria mais rápido.

Logo o menino tinha um peão de vantagem, as peças do Ogro recuados, as do menino pareciam faróis a iluminar cada casa do tabuleiro.

O que o menino não sabia era que o Ogro odiava perder e, a cada lance defensivo perfeito do adversário, o garoto reavaliava seu plano, a vitória próxima começou a parecer cada vez mais remota, no fundo parou de acreditar nela. Propôs troca de damas, deixando no tabuleiro, além de torres e peões, bispos que não se agrediam, pois não andavam nas mesmas casas.

Subitamente, o Ogro ressurgiu de seu assento, o suor secou de suas têmporas, seus braços se alongaram, as mãos ganharam velocidade! A torre preta alcançou a sétima fila, o bispo correu para a oitava. Assustado, o rei branco ordenou que sua reduzida tropa viesse em socorro.

Nenhum dos dois tinha mais como avançar, a paz agora era inevitável.
O menino deixou o tabuleiro decepcionado. Em sua mente, sobre um tabuleiro imaginário, as peças ainda sumiam e reapareciam em velocidade estonteante, mas a vitória que acabara de escapar não apareceu em suas análises.

Enquanto recolocava o relógio no pulso e experimentava certo alívio, o Ogro não podia evitar a surpresa em perceber o quão rápido passaram os anos, o quão rápido inverteram-se os papéis.

Talvez fosse mesmo um momento de parar, os meninos de hoje já não têm mais medo de caretas.

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Autor: Rewbenio Frota

Engenheiro por formação e afinidade, escritor e enxadrista por devoção e teimosia. Alguém que deseja aprender (e ensinar aos meus filhos) como podemos viver bem neste mundo que muda a cada momento!

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