Deixem as Fake News longe do xadrez

Vivemos a era da disseminação de mentiras com cara de verdade. Mas, por favor, deixem o xadrez fora disso!

Agencia LQI contra fake news no xadrez

Emmanuel Lasker tem uma famosa frase sobre verdade e xadrez: “No tabuleiro de xadrez, a mentira e a hipocrisia não sobrevivem por muito tempo”.

Xadrez, de fato, é terreno para a busca da verdade, e muito de seu encanto vem do fato que, embora perante os olhos de qualquer um, ela fique tão escondida entre as peças e suas intrigas de cores alternadas.

Por esses dias, recebi de diversas fontes (inclusive de alguns enxadristas) uma triste mentira:

Fake News não têm poupado nem o xadrez

A imagem, muito famosa, mostra uma exibição de simultâneas realizada em 1920 pelo garoto prodígio Samuel Reshevsky (1911 – 1992). Na ocasião, Reshevsky enfrentou não somente 8, mas 20 adversários (nem todos na imagem) e, ao contrário da mentira divulgada, derrotou todos.

Fico imaginando as razões de quem criou a falsa informação e iniciou a corrente de falsidade, mas o fato que entendo ainda menos é o porquê de muitas pessoas passarem adiante… Algumas como uma interrogação (“isso é verdade?”), outros como quem manda uma piada (sem graça alguma).

Algumas simples verificações antes de propagar a imagem teriam detido sua proliferação (falta de cuidado que, aliás, tem sido comum e decisiva para o sucesso do espalhamento de mentiras em outros contextos da vida):

  1. Uma foto de um garoto que perde para mestres adultos no início so século XX seria algo tão incrível assim para merecer a posteridade?
  2. As feições desamparadas de alguns dos adversários na foto não servem de pista de que eles estão desconfortáveis (ou seja, perdendo)?
  3. As peças do tabuleiro não estão bem visíveis, mas há diversas fontes, como a Wikipédia, que falam exatamente do contexto da foto e do desfecho das partidas.
Nota na Wikipédia sobre o tema.

A foto original foi feita durante uma seção de partidas simultâneas do jovem prodígio contra um grupo de 20 fortes jogadores parisienses. A disputa ocorreu no Club des Echecs du Palais Royal no dia 16 de mai de 1920 (o pequeno Samuel, portanto, ainda não havia completado 9 anos de idade).

Relatos efusivos da imprensa francesa da época reportam que ele venceu todos os 20 adversários, mas apenas um das partidas, contra Herzfeld, foi preservada.

Para fazer justiça a Samuel Reshevsky, fica o registro de que era dotado de extraordinário talento para o xadrez, desde muito cedo descoberto.

Seus pais (extremamente pobres) foram convencidos por um “empresário” para que ele se apresentasse (a dinheiro) perante adversários mais velhos em exibições por várias partes do mundo, a começar pela Europa. E houve muitas, além de Paris, citada acima, até que a família seguiu para os EUA, onde acabou se instalando definitivamente.

Reshevsky (lado esquerdo em pé), em 1921, prestes a enfrentar 20 jogadores em Cleveland (EUA).

Autoridades norte-americanas tiraram o jovem Reshevsky da tutela de seus pais, pois foi considerada abusiva a forma de explorar os talentos do menino, que sequer frequentava a escola.

Sua tutela foi dada a um milionário filantropo que cuidou da educação do jovem até sua graduação na Universidade de Chicago em 1934.

Após a graduação, Reshevsky voltou a tomar parte em competições de alto nível, por exemplo, vencendo o Torneio de Margate em 1935 à frente de Capablanca (a quem venceu no confronto individual).

Apesar de nunca ter sido um profissional do xadrez em tempo integral, Reshevsky foi um sério candidato ao título mundial até o final dos anos 1960, considerado por muitos o melhor jogador do mundo fora da URSS até a chegada de Fischer.

No xadrez, e muito mais na vida, a verdade é muito preciosa. Pena que uma óbvia mentira, como a citada, possa demorar tanto para ser desmentida e seu estrago possa ser irrecuperável.

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Autor: Rewbenio Frota

Engenheiro por formação e afinidade, escritor e enxadrista por devoção e teimosia. Alguém que deseja aprender (e ensinar aos meus filhos) como podemos viver bem neste mundo que muda a cada momento!

10 comentários em “Deixem as Fake News longe do xadrez”

  1. Bem, trata-se da vida de alguém e acho que isso deveria ser considerado. Talvez uma questão ética. Acho que meme é uma informação, mesmo sendo jocosa. Recebi esse meme de um amigo chamado Samuel…e ao ver a série “Gambito da Rainha”, lembrei do meme e caí aqui. Acho importante a defesa, talvez não seja do xadrez somente, mas da vida de uma pessoa que ao que parece foi um gênio.

  2. Cara, sinceramente, fake news é uma informação propagada como notícia, propositalmente falsa para influenciar um pensamento, agenda política, e etc. O que foi propagado não é uma fake news, é uma piada, foi feito exclusivamente para despertar humor, qualquer um que jogar o nome do então garoto no google, vai ver a verdade. Isso não prejudica de forma alguma o xadrez, a maior parte dos que viram a foto nem se lembram do nome de Reshevsky. Você levou a brincadeira a sério demais, é por conta disso e muitos outros motivos que a popularização do xadrez entre jovens é tão lenta, vocês estão criando um espaço chato, não aberto para humor, e extremamente elitista, e se posicionando contra boas iniciativas na internet. (Vide as criticas que muitos fazem a Pogchamps e a livestreams na Twitch) No mais, o que você escreveu é um exagero e banha-se em vergonha alheia.

    1. Caro Pedro, defender a veracidade de informações não deveria ofender ninguém.
      Seu comentário foi aceito, apesar do tom. Afinal, banhar-se em vergonha alheia é defender a mentira, seja lá em que formato ela venha disfarçada.

    2. Concordo totalmente com o Pedro. Não vejo como uma simples piada como essa pode prejudicar o xadrez. Pelo contrário, acredito que tudo que dê visibilidade ao esporte deve ser visto com um olhar positivo, já que o único efeito possível a meu ver, é a popularização do jogo. Não foi uma fake news maldosa, foi só uma piada. Não precisamos ser tão duros quanto a isso.

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