A cada campeonato mundial, Isaías sente renovar-se um pouco a velha chama enxadrística que por tantos anos esteve presente em sua vida, aquecendo sonhos e planos, apesar de sua paixão pelo jogo nem sempre ser correspondida.
O mundial deste ano até lembrava nostalgicamente os embates lendários entre Kasparov e Karpov (K × K), não somente porque voltavam a se enfrentar os dois melhores enxadristas do planeta, mas também por causa das iniciais: Ca × Ca.
O mundial deste ano até lembrava nostalgicamente os embates lendários entre Kasparov e Karpov (K × K), não somente porque voltavam a se enfrentar os dois melhores enxadristas do planeta, mas também por causa das iniciais: Ca × Ca.
Isaías seguiu todas as partidas pela internet, em especial a 12ª, que poderia definir o confronto. O melhor era acompanhar as análises dos grandes mestres online, pois sempre aparecia alguma ideia nova, alguma dica que, embora ele quase não jogasse mais com tanta frequência, poderia ser útil algum dia.
Num desses vídeos, o grande mestre Yasser Seirawan comentou algo sobre uma armadilha de abertura na 12ª partida (uma Siciliana) na qual as pretas poderiam acabar num interessante xeque-mate “afogado” caso jogassem sem bastante cuidado.
Impressionante como tem coisas ocultas no tabuleiro, mesmo nas primeiras jogadas! Claro que o Campeão Mundial jamais cairia naquilo, mas Isaías pensou que algum jogador menos talentoso que Carlsen poderia muito bem se tornar uma vítima naquela situação. Só havia uma dificuldade: Isaías não jogava peão do rei e seria improvável enfrentar aquela variante da Defesa Siciliana.
Aquela 12ª partida acabou empatada, após uma estranha proposta de igualdade feita pelo campeão numa posição vantajosa. No desempate, em partidas rápidas, Magnus Carlsen se impôs e manteve seu título.
Embalado pelas partidas do mundial, assim como dois anos antes, Isaías sentiu novamente vontade de jogar. Correu para o clube, mas lembrava fortemente de não tomar as lições aprendidas durante o campeonato mundial muito ao pé da letra como fizera da última vez.
Nos clubes sempre tem alguém pronto para um par de partidas rápidas, e Isaías não teve dificuldades em encontrar adversários. Foi difícil desenferrujar, mas após algumas derrotas iniciais ele conseguiu alguns pontinhos.
Já perto do fechamento do clube, Isaías moveu seu peão da dama duas casas para iniciar aquela que seria última partida da noite. Seu adversário respondeu com uma Defesa Benoni Antiga, e uma posição parecida com aquela da 12ª do mundial apareceu:
Como já era tarde da noite, Isaías pensou “Por que não?” e seguiu jogando 5.Cb5 a6 6.Da4 Bd7. Com uma estranha satisfação, Isaías concluiu que, definitivamente, seu adversário não vira o vídeo do Seirawan… Jogou o xeque-mate “afogado” ensinado dias antes: 7.C×d6#.
Posição final, após 7.C×d6#. |
É sempre bom usar o que se aprende. Dá uma sensação de dar um passo a mais na vida, mesmo que esse passo seja bem pequeno, menor até que o passo de um peão no tabuleiro. Para Isaías, porém, aquele pequeno triunfo serviu para manter acesa a velha chama durante a longa espera que virá, de dois anos, até o próximo confronto pelo título mundial.