1938: um ponto de inflexão nos tabuleiros

Botivinnik,M. Capablanca, J.R.
Rotterdan, 1938
… uma das mais famosas combinações de todos os tempos” – Nunn
E, na 11ª rodada, Botvinnik jogou o que foi em suma ‘a partida de sua vida’ contra Capablanca. ” – Kasparov
Algumas vezes conseguimos identificar claramente os pontos de inflexão da história, esta partidafoi uma dessas ocasiões. Em 1938, os oito maiores mestres de Xadrez do mundo, inclusive Alekhine, o campeão mundial, tomaram parte num torneio que ficou conhecido como um dos mais fortes até hoje realizados. Torneio A.V.R.O. (sigla da empresa patrocinadora do certame), disputado em diferentes cidades da Holanda. Capablanca, então com 50 anos, recém-casado pela segunda vez, enfrentava o jovem Botvinnik, que viria a se tornar, anos depois, o primeiro campeão mundial soviético. Esta partida foi um dos alicerces da reputação de Botvinnik como patriarca do que veio a ser a Escola Soviética de Xadrez, que produziu (de uma forma ou doutra) todos os campeões mundiais de 1948 a 2005, exceto Fischer (americano, campeão de 1972 a 1975).

Capablanca comete uma (rara) falha na avaliação de sua posição, acreditando ser seguro o ganho do peão da coluna ‘a’. Para tanto, o grande cubano deixou um de seus cavalos fora de jogo.

Enquanto isso, Botvinnik fortalecia sua posição no centro e no flanco do rei. Para arrematar sua vitória, o mestre soviético encontrou uma combinação belíssima, que tornou esta partida obrigatória em quase todas as antologias de partidas que se publicaram posteriormente.

A partir do diagrama, a continuação é 30. Ba3!! (deslocando a dama negra da defesa do cavalo em f6) 30. … Dxa3 31. Ch5! (teriam gritado este lance da plateia antes que fosse jogado, tamanha a empolgação dos espectadores com a combinação, mas claro que Botvinnik previu isso muito antes do lance 30) 31. … gxh5 32. Dg5+ Rf8 33. Dxf6 Rg8 34. e7 (tudo agora depende se o rei branco vai encontrar abrigo para os xeques de Capablanca, ainda esperançoso de empatar) 34. … Dc1+ 35. Rf2 Dc2+ 36. Rf3 Dd3+ 37. Rh4 De4+ 38. Rxh5 De2+ 39. Rh4 De4+ 40. g4 De1+ 41. Rh5 eas negras abandonam.

Compartilhe: http://bit.ly/Inflexao

Uma miraculosa concatenação de circunstâncias

Adams, E. Torre, C.
New Orleans, 1920
… a truly miraculous concatenation of circumstances” – Tartakower
A mais bela partida que eu joguei” – Torre
Em 1920, o jovem talento mexicano, Carlos Torre Repetto, era patrocinado por Edwin Ziegler Adams, e esta posição advém, provavelmente, duma partida de treinamento entre os dois.

Torre (1905 – 1978) foi o primeiro mexicano a despontar no cenário internacional, 5º colocado no forte Torneio de Moscou em 1925 (vencendo Lasker numa partida também histórica), mas, já no ano seguinte, abandona as competições após sofrer um colapso nervoso causado por problemas pessoais e profissionais, jamais retomando a prática do xadrez magistral. Em 1977, a FIDE outorgou-lhe o título de Grande Mestre Internacional por seus resultados nos anos 1920 (quando se estima que seu desempenho o teria classificado, então, entre os dez melhores do mundo). Já Adams (1885 – 1944), além de mentor de Torre e ser um jogador mediano, passou à história do jogo somente por esta partida.

A posição acima só veio ao conhecimento público 5 anos depois de jogada, quando foi publicada no American Chess Bulletin, com notas do já forte mestre Carlos Torre. As notas de Torre, aliás, lançam certas dúvidas sobre os lances finais da partida, se realmente ocorreram ou se, após as negras abandonarem a partida no 15º lance, o magnífico desfecho teria sido parte da análise post mortem. Ou teria, ainda, sido uma homenagem do pupilo ao seu antigo amigo e benfeitor, atribuindo-lhe os méritos da brilhante sequência de sacrifícios de dama que decidem a partida?

A partir do diagrama, a continuação é 18. Dg4!! (a dama não pode ser tomada por causa do mate na oitava fila, se 18. … Dxg4?? 19. Txe8+ Txe8 20. Txe8#)18. … Db5 19. Dc4! Dd7 20. Dc7! Db5! (uma pequena armadilha armada pelo lado negro, se 21. Dxb7?? Dxe2! e agora as negras ganham)21. a4! Dxa4 22. Te4!! (provavelmente o lance mais difícil da combinação)Db5 23. Dxb7 perdendo a dama ou levando mate, as negras abandonam.

Lilienthal – “A partida que mudou minha vida”

Lilienthal, A. Capablanca, J.R.
Hastings, 1935
A partida que mudou minha vida” (Lilienthal), posição após 19. Dxe4
Vamos começar com uma pequena história verídica para ilustrar como é famosa a posição acima. Em 1992, o reaparecido Bobby Fischer reconhece um senhor de 80 anos de idade acompanhando o famoso matchrevanche contra Spassky. Fischer, então, vai ao encontro dele e, sorrindo, cumprimenta-o da seguinte forma: “peão e5 toma cavalo em f6”. Tratava-se do Grande Mestre húngaro Andor Lilienthal!

Além da beleza do sacrifício de Dama, a partida é famosa por ser uma das pouquíssimas derrotas do lendário José Raul Capablanca em torneios oficiais. Mas, como afirmou Henry Golombek quando comentou esta partida, uma derrota assim “honra até um campeão do mundo”. Em toda a sua carreira, Capablanca perdeu menos de cinquenta partidas oficiais.

Em entrevista à revista holandesa New in Chess em 1997, Lilienthal disse que, apesar de não ser sua melhor partida (já que contou com um erro de Capablanca), foi ela que mudou sua vida. Por causa desta vitória, ele foi convidado para participar do forte torneio de Moscou no mesmo ano e acabou permanecendo por lá, escapando assim do nefasto destino que os judeus húngaros teriam nos anos da II Guerra Mundial.
O encanto desta posição é o brilhante sacrifício de dama que desmonta a posição de Capablanca, forçando-o a abandonar alguns lances depois. A partir do diagrama, a continuação é 20. exf6! Dxc2 21. fxg7 Tg8 22. Cd4! com a ameaça de mate, as negras são forçadas a devolver a Dama e entrar numa posição perdida 22. … De4 23. Tae1 Cc5 24. Txe4+ Cxe4 25. Te1 Rd7 26. Txe4 e as negras abandonam.

Fischer: 20 vitórias seguidas no Ciclo do Campeonato Mundial*

A fantástica série de 20 vitórias seguidas de Fischer, entre a 17ª rodada do Torneio Interzonal de Palma de Mallorca (1970) e a primeira vitória no Match Final do Torneio de Candidatos (1971) contra o ex-campeão mundial Tigran Petrosian, sempre me deixou fascinado.

Nos dias de hoje, seria fácil encontrar não somente as partidas, mas também as informações sobre rating performance e outros indicadores de desempenho, mas para um torneio de 1970 é difícil encontrar informações tão ricas. Felizmente existe o site Chessmetrics do Estatístico Jeff Sonas, onde ele divulga listas de rating (numa versão ligeiramente modificada do sistema ELO adotado pela FIDE) desde 1843! Isso é possível somente porque ele teve o trabalho de buscar resultados de partidas de diversos torneios e matches desde essa longínqua época.

Usando o rating estimado no site Chessmetrics para a época das 20 vitórias de Fischer, podemos fazer uma análise de seu desempenho no período.

Torneio Interzonal de Palma de Mallorca 1970 (últimas 7 rodadas), com títulos da época, ratings e ranking mundial da época estimados no site Chessmetrics
Neste torneio, Fischer venceu com 18,5 pontos em 23 rodadas 80% dos pontos possíveis), com uma performance de 2850.

Quadro de Classificação do Interzonal de Palma de Mallorca 1970


Match Fischer-Taimanov (¼ de final do VIII Torneio de Candidatos da FIDE) 1971

Na época, Taimanov tinha rating de 2731 e era o 9º do mundo. Fischer venceu o match pelo então inédito placar de 6-0 num torneio de candidatos! Fischer teve uma performance de 2870, segundo o Chesmetrics!

Foto da 6ª partida, após 13. … Cf5 (fonte)

Match Fischer-Larsen (Semi-final do VIII Torneio de Candidatos da FIDE) 1971

Na época, Larsen tinha rating de 2752 e era o 3º do mundo, além de ser um dos poucos ocidentais com bom escore contra Fischer, inclusive tendo vencido a partida entre eles no Interzonal de 1970. Fischer venceu o match novamente pelo aviltante placar de 6-0! Fischer teve uma performance de 2887, segundo o Chesmetrics!
Escolha de cores na 1ª partida (fonte)

Match Fischer-Petrosian (Final do VIII Torneio de Candidatos da FIDE) 1971

Um momento da 1ª partida  (fonte)

Na época, Petrosian tinha rating de 2738 e era o 6º do mundo. Este post vai somente até a primeira partida, quando Fischer completou a 20ª vitória seguida (ou a 19ª se desconsiderarmos o abandono de Panno). Petrosian teve o mérito de encerrar a série histórca de Fischer com uma vitória na 2ª partida do match. No final, Fischer venceu a disputa por 6,5-2,5, com uma performance de 2805.


Balanço final: 20 vitórias em 20 partidas contra um rating médio de 2705, uma performance de 2995! Algo nunca mais visto nos demais ciclos de campeonatos mundiais.


*Originalmente publicada neste blog em 2011, mas apagada acidentalmente. Por muito tempo  foi a postagem mais acessada do blog.


Compartilhe: http://bit.ly/FischerXadrez

Outra jóia de Anderssen

Anderssen, A. Dufresne, J.

Berlim, 1852
Partida Sempre Viva, posição após 18. … Tg8.
 
Após ter assegurado seu lugar na posteridade com a Partida Imortal, já bastante popular na própria época em que foi jogada, Anderssen não se deu por satisfeito e honrou o xadrez com outra obra-prima.
 
Jean Dufresne não era um jogador tão forte como Kieseritzky, mas teve o privilégio de ser pupilo do próprio Anderssen, um dos motivos de o histórico entre os dois ser tão favorável para este último (+25 –5 =2, incluindo esta partida Sempre Viva). Além de ser o perdedor da partida Sempre Viva, Dufresne voltou-se mais para o ensino e divulgação do jogo e passou para a posteridade enxadrística como o autor de um dos mais famosos livros de xadrez do século XIX Kleines Lehrbuchder Schachspiels , que segue sendo editado até os dias de hoje!
 
Após uma disputa equilibrada, no mais puro estilo romântico de ataque, Anderssen sacrifica seu cavalo, que foi erroneamente aceito, trazendo à luz um das mais belas combinações de mate da história do jogo: 19. Tad1! Dxf3 (19. … Dh3 ainda permitiria às negras se defender). 20. Txe7 Cxe7 21. Dxd7! Rxd7 22. Bf5+ (duplo) Re8 23. Bd7 Rf8 24. Bxe7++.