Cooperação e Competição – uma receita vencedora!

Mansell dá carona a Senna após GP de Fórmula 1 em 1991
Mansell dá carona a Senna após GP em 1991 (Google)

Há alguns anos, enquanto preparava uma apresentação para uma plateia de formação bastante heterogênea, fui desafiado com a tarefa de explicar o funcionamento de um tipo de rede neural artificial (RNA) chamada rede SOM (acrônimo para Self Organizing Maps). Trazer para a linguagem coloquial o funcionamento de algoritmos nem sempre é uma tarefa simples. Então fiquei a procurar uma analogia.

O principal diferencial da rede SOM é que, apesar de ser um tipo de RNA competitiva (na qual os neurônios competem entre si para ser ativados por um dado padrão de entrada, ou estímulo), ela alia competição com algo não muito comum em um contexto competitivo: cooperação! Quando, em um dado ciclo de competição, um neurônio vence, ele divide sua “recompensa” com seus vizinhos mais próximos, assim, no próximo ciclo, eles estarão em melhor situação para disputar a vitória. Essa simples característica torna o resultado global da rede SOM muito melhor que o de todas as demais redes competitivas comuns.

Como eu poderia explicar isso sem ser tão técnico, ou até mesmo chato? Haveria alguma situação da “vida real” que apresentasse tal simbiose entre cooperação e competição? Nada vinha à mente… a não ser, como fui esquecer? O xadrez soviético!

O xadrez na União Soviética (URSS) é uma perfeita analogia para a rede SOM, e não sei se Kohonen estava a par disso quando desenvolveu seu algoritmo no começo da década de 1980.

Na URSS, o xadrez era levado a sério (talvez até demais). Era algo que o governo usava para demonstrar sua tese de superioridade do homem soviético. Grandes Mestres, profissionais mantidos pelo regime, eram vistos como cidadãos especiais no sistema soviético, e a eles eram até mesmo permitido certos privilégios e regalias.

No entanto, a relativa boa vida de um Grande Mestre na URSS era sujeita a algumas condições, dentre outras, além de ser um jogador primoroso, devia ser obediente e fiel ao regime!

Obviamente, esses dois fatores não seriam suficientes para explicar a hegemonia soviética no cenário enxadrístico internacional por quase 50 anos, dos anos 1940 aos anos 1990 (período brevemente interrompido pela meteórica vitória do norte americano Fischer contra o soviético Spassky em 1972). O grande segredo do sucesso da Escola Soviética de Xadrez era a cooperação!

Dentro das fronteiras da URSS, os Grandes Mestres podiam manter ferrenhas rivalidades, até mesmo inimizades, porém, em eventos no exterior, ou mesmo em eventos na URSS em que participassem estrangeiros, eles eram obrigados a compartilhar conhecimento em sessões de treinamento em grupo, deviam ajudar uns aos outros na preparação antes das partidas e analisavam em grupo as posições adiadas.

Desta forma, dentre alguns dos melhores jogadores do planeta na época, incluídos aí campeões do Mundo, não era permitido haver grandes segredos; um nova jogada descoberta, uma melhoria numa linha de jogo já conhecida, deveria ser compartilhada com os demais mestres o quanto antes. Era uma política de Estado!

Não é, portanto, de se estranhar que tantas disputas de título mundial de xadrez após 1948 tenham contado exclusivamente com jogadores soviéticos (única exceção foi Spassky – Fischer em 1972).

Mesmo após a dissolução da URSS, os Grandes Mestres de países do antigo bloco soviético ainda mantiveram grande predominância no xadrez mundial.

Para se ter uma ideia, em apenas três ocasiões o confronto pelo título mundial não teve nenhum dos jogadores com origem em países herdeiros da escola soviética: Anand (Índia) – Topalov (Bulgaria) em 2010, Anand – Carlsen (Noruega) em 2013 e Carlsen – Anand em 2014.

Funcionou! As pessoas entenderam o conceito, e os itens restantes da apresentação ficaram muito mais fáceis de explicar.

Competição e cooperação deveriam ser vistas juntas com mais frequência, a julgar pelo sucesso mais recente da rede SOM e aquele mais antigo do xadrez soviético. Assim, certamente seria muito mais simples encontrar analogias para minhas próximas palestras!

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1938: um ponto de inflexão nos tabuleiros

Botivinnik,M. Capablanca, J.R.
Rotterdan, 1938
… uma das mais famosas combinações de todos os tempos” – Nunn
E, na 11ª rodada, Botvinnik jogou o que foi em suma ‘a partida de sua vida’ contra Capablanca. ” – Kasparov
Algumas vezes conseguimos identificar claramente os pontos de inflexão da história, esta partidafoi uma dessas ocasiões. Em 1938, os oito maiores mestres de Xadrez do mundo, inclusive Alekhine, o campeão mundial, tomaram parte num torneio que ficou conhecido como um dos mais fortes até hoje realizados. Torneio A.V.R.O. (sigla da empresa patrocinadora do certame), disputado em diferentes cidades da Holanda. Capablanca, então com 50 anos, recém-casado pela segunda vez, enfrentava o jovem Botvinnik, que viria a se tornar, anos depois, o primeiro campeão mundial soviético. Esta partida foi um dos alicerces da reputação de Botvinnik como patriarca do que veio a ser a Escola Soviética de Xadrez, que produziu (de uma forma ou doutra) todos os campeões mundiais de 1948 a 2005, exceto Fischer (americano, campeão de 1972 a 1975).

Capablanca comete uma (rara) falha na avaliação de sua posição, acreditando ser seguro o ganho do peão da coluna ‘a’. Para tanto, o grande cubano deixou um de seus cavalos fora de jogo.

Enquanto isso, Botvinnik fortalecia sua posição no centro e no flanco do rei. Para arrematar sua vitória, o mestre soviético encontrou uma combinação belíssima, que tornou esta partida obrigatória em quase todas as antologias de partidas que se publicaram posteriormente.

A partir do diagrama, a continuação é 30. Ba3!! (deslocando a dama negra da defesa do cavalo em f6) 30. … Dxa3 31. Ch5! (teriam gritado este lance da plateia antes que fosse jogado, tamanha a empolgação dos espectadores com a combinação, mas claro que Botvinnik previu isso muito antes do lance 30) 31. … gxh5 32. Dg5+ Rf8 33. Dxf6 Rg8 34. e7 (tudo agora depende se o rei branco vai encontrar abrigo para os xeques de Capablanca, ainda esperançoso de empatar) 34. … Dc1+ 35. Rf2 Dc2+ 36. Rf3 Dd3+ 37. Rh4 De4+ 38. Rxh5 De2+ 39. Rh4 De4+ 40. g4 De1+ 41. Rh5 eas negras abandonam.

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