Aprendendo com os clássicos

 
As maravilhas do Xadrez estão ao alcance de todos aqueles que quebram aquela primeira imagem de jogo hermético, ou de jogo feito apenas para pessoas com inteligência acima do normal.

Foi há muitos anos, no colégio, que eu pela primeira vez, um tabuleiro montado com quelas figuras de madeira. Olhei aquilo e senti algo como uma antiga lembrança recuperada, estranho, já que era só  um menino que não sabia sequer as regras.

Recentemente, retomei contato com vários amigos da época de escola, e muitos deles me perguntam sobre xadrez, alguns demonstrando o sincero desejo de mergulhar nos mistérios do jogo.

Apesar de muitas formas modernas de aprender o jogo, acredito nos clássicos. Então, sugeri a um dos meus amigos, o mais interessado, que buscasse o lendário Xadrez Básico (XB).

Aprender xadrez por um livro antigo pode apresentar alguns desafios, o primeiro é a notação.

Notação é a codificação que os enxadristas usam para preservar suas partidas. É por meio desta simples invenção, que podemos ter hoje em dia o registro de confrontos desde o século XV.

A notação usada no XB é chamada notação descritiva, hoje em desuso prático, mas que ainda está presente no imaginário dos enxadristas, que muitas vezes a usam em conversas: “joguei Peão 4 do Rei”. O livro ensina a notação moderna, a algébrica, mas não a utiliza no texto.

Outro desafio é priorizar o que é mais importante na leitura.

O XB tem uma seção logo no início que analisa lance a lance 4 partidas magistrais. Nelas, a densidade de conhecimento para iniciantes é enorme. Foram as primeiras lições de muitos mestres, bem como de muitos e muitos capivaras, claro.

Para quem tiver curiosidade, coloco abaixo links do ChessGames.com para as 3 primeiras partidas:

A quarta partida comentada, que mostra um rápido ataque, foi jogada por um jogador pouco conhecido, M. Aspa, de brancas contra outro jogador não identificado (N.N.) [3] com as peças pretas. Segue abaixo no visor do GameKnot.com:

Play online chess
No ChessGames, também existe uma compilação de quase todas as partidas completas que estão no XB. Agora, mãos à obra, vamos aprender Xadrez!


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Notas:
    1. Campeão Mundial de Xadrez entre 1921 e 1927
    1. Primeiro oficialmente reconhecido como Campeão Mundial de Xadrez entre 1866 a 1894 (28 nos, ainda um recorde)
  1. No passado, era comum preservar o nome de alguns derrotados ao se publicarem suas partidas, especialmente derrotas mais vergonhosas.

Será o fim dos livros de xadrez?

Após a vitória de Magnus Carlsen, o lendário Garry Kasparov escreveu em sua coluna para a Time Magazine que é o triunfo de uma novíssima geração que aprendeu a jogar com computadores, em detrimento da geração de Anand, Kasparov e outros Grandes Mestres que aprenderam o jogo por meio de, palavras do Ogro de Baku, “livros empoeirados”.

Portanto, a realidade do aprendizado do xadrez, mesmo nos níveis mais elevados, parece não estar em desconformidade com a tendência cada vez maior de se aprender qualquer coisa usando os computadores, deixando de lado os livros, que trazem consigo o fardo (ou fascínio), de precisarem ser lidos e interpretados para começarem a revelar o conhecimento que se busca.

Claro, a modernidade é como o peão no nosso amado jogo, não dá passos para trás, e talvez o melhor que (nós saudosistas) podemos fazer é torcer para que resistam pelo menos os livros digitais no futuro! Mas talvez nem isso…

No caso dos livros de xadrez, percebe-se como piorou o cenário. No passado, todos os grandes campeões publicaram livros sobre suas partidas, suas ideias sobre o jogo e sua abordagem nos diferentes tipos de posição. A escola soviética, fortemente ligada ao seu patriarca Botvinnik, vaticinava que os melhores jogadores precisavam publicar análises de suas partidas, forçando-se assim a aperfeiçoar sua técnica, enriquecendo a literatura do jogo por tabela.

Hoje, é cada vez menor o número de jogadores de elite, como alguém da nova geração entre os 10 melhores do mundo, escrevendo livros. Existem autores excelentes que produzem muito na atualidade, como o PhD e GM John Nunn, mas ele é da geração antiga!

O fato é que, com a concorrência dos novos métodos de ensino e aprendizagem do jogo, com a facilidade de ter seu livro “pirateado”, com os baixos valores pagos por uma atividade árdua como a de escrever um bom livro, os Grandes Mestres jovens preferem guardar seus segredos e tratar de vencer torneios para garantir sua renda.

No Brasil, por exemplo, não existe nenhum livro nacional de destaque desde a época do “Xadrez Básico” (que ainda corre o sério risco de ser o melhor livro de xadrez escrito por um brasileiro).

O reflexo disso tudo pode ser visto aqui mesmo, em nossa cidade (falo especificamente de Natal – RN, mas não deve ser só aqui) os livros de xadrez estão sumindo das prateleiras. Nas livraria do maior shopping da cidade ainda era possível meses atrás encontrar alguns volumes da série “Meus Predecessores” de Kasparov, a um preço exorbitante de R$ 108,00 (mas isso é outro assunto), só que sumiram.

Numa outra livraria, que tristemente encontra-se reduzindo suas atividades e seu acervo, dentre os mais de 10 mil volumes da enorme loja, pergunto ao vendedor sobre a prateleira de xadrez (que ousadia), ele me aponta desinteressado uma junto ao chão, na parte de esportes. Espremidos entre a Fórmula 1 e o Futebol, cinco míseros títulos, nenhum deles relevante para alguém que queira se aperfeiçoar no jogo.

É uma tristeza. Os novos mestres escrevem menos e as editoras também não vão deixar de publicar auto-ajuda e livros sobre variados “tons de cinza” para investir em livros sobre xadrez…

Guardo em casa os livros de xadrez que fui conseguindo adquirir ao longo dos anos, cada um registra uma fase. Alguns da clássica “Colección Escaques”, que comprei em Fortaleza, na Livraria ao Livro Técnico da Praça do Ferreira, outros que comprei em sebos, ou pela internet. Alguns que foram presentes de amigos queridos, como “ El Arte del Sacrificio en Ajedrez”, ofertado há (susto!) 20 anos pelo amigo e primeiro professor de xadrez, Ari Maia.

Lamento os dois únicos que emprestei, o meu “Xadrez Básico” de capa vermelha e o “Aberturas e Armadilhas”, jamais devolvidos.

Meus livros são meu pequeno tesouro. Sei que já nem os estudo como planejava ou como deveria, é verdade. Talvez alguns deles tragam análises que os computadores modernos refutem, outros nem sejam tão bons como eu pensei na hora da aquisição, mas todos são valiosos. Ao folheá-los, não raro lembro exatamente do que pensei anos atrás, dos sonhos de maestria ou do fascínio causado por uma jogada ou combinação, ou por uma análise magistral que consegui captar.

Descobri que um livro empoeirado de xadrez não traz só partidas e análises desatualizadas, com o tempo ele passa a guardar também pedaços da nossa história.

Alguns dos meus queridos livros de xadrez.

Um menino, o Xadrez Básico e o Título de Mestre Nacional



Imaginem um menino que, das 64 casas, só conhecia o jogo de Damas. Um belo dia, esse garoto, passando pela alameda de sua escola, percebe umas figuras diferentes sobre o tabuleiro tão conhecido e desprezado. Foi uma surpresa e tanto.

Eram muitas as novas “pedras” que se moviam de forma um tanto misteriosa naquele primeiro encontro. Só reconhecia ali o cavalo, que, vira e mexe, aparecia em alguma alegoria na televisão.

Ao chegar em casa, depois da aula, no tempo em que era possível uma TV sintonizar somente seis canais e uma casa ter, quando muito, somente um aparelho fixo de telefone, o menino não conseguia se distrair de sua nova obsessão.

Mais tarde, quando sua mãe também chegou, cansada do trabalho, ele não a largou enquanto não a convenceu de comprar-lhe um jogo de, já sabia como se chamava, xadrez.

– E você sabe jogar isso, menino? Aqui em casa ninguém joga isso.

– Não mãe, mas vou aprender.

Foi como um novo mundo, desvelado assim, em códigos, nos movimentos de seis diferentes figuras, peças, nunca mais “pedras”. Era um Colombo juvenil, redescobrindo pela primeira vez, os encantos que seduziram tantos antes dele.

Não tardou para ser tomado da sede de saber. E lhe foi dito:

– Arranje um “Xadrez Básico”, leia-o de cabo a rabo, e aprenderás a jogar.

Ganhou da mãe um livro de aspecto diferente, grosso e estreito, de capa vermelha, com um belo desenho de peças que se refletiam alternando suas cores. Com cuidado foi folheando o livro, lendo pela primeira vez na vida sobre a existência de jogadores lendários, como Phillidor, Andersen, Morphy, Steinitz, Lasker, Capablanca e tantos outros. Ficava horas decifrando o démodé sistema descritivo que registrava as partidas magistrais no livro.

O autor do livro ostentava dois títulos que impressionavam: Doutor (médico) e Mestre Nacional de Xadrez.

Muitos anos depois, sem ter lido todo o seu ‘Xadrez Básico’ (e, talvez por isso, não jogasse tão bem), o menino cresceu, tornou-se homem e enxadrista, mas nunca mais ouviu falar de outro Mestre Nacional de Xadrez no Brasil. Ouviu, sim, falar dos nossos Mestres e Grandes Mestres Internacionais, mas jamais outro Mestre Nacional.

O livro foi escrito no ano de 1954, apenas dois anos antes o Brasil havia tido seu primeiro Mestre Internacional de Xadrez, Eugênio German, e somente teria um Grande Mestre vinte anos depois (Henrique Mecking). Era uma época em que se valorizava o título nacional de mestre.

Por algum motivo esse título foi esquecido, caiu em desuso no Brasil. O menino, agora homem, olhava seu ‘Xadrez Básico’ de soslaio, pensando: “será que o último mestre nacional vai ser mesmo o Dr. Orfeu D’Agostoni?”.

Uma geração de mestres de verdade passou sem reconhecimento. O xadrez é um jogo difícil e duro com seus profissionais, muitos talentosos mestres não conseguiram alcançar a esfera internacional, mas no Brasil eram jogadores respeitados, só que sem título algum.

Aliás, no xadrez, em suma, só há dois títulos: ou você é mestre, ou você é carinhosamente apelidado de ‘capivara’. É muita injustiça deixar tanto jogador forte no rol dos capivaras, não é?

É não, era injustiça, pois a nossa Confederação Brasileira de Xadrez acaba de ressuscitar o título de Mestre Nacional. Se você tem ou já teve uma pontuação de pelo menos 2200 no rating CBX ou FIDE, seu título está garantido.

Certamente, muitos dos novos mestres titulados lembrarão emocionados que foi no livro volumoso, de capa vermelha, que deram seus primeiros passos rumo à maestria no xadrez! Dr. Orfeu não foi o último, mas o patrono duma legião de mestres nacionais, agora justamente reconhecidos.

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