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Categoria: Nunn
Será o fim dos livros de xadrez?
Após a vitória de Magnus Carlsen, o lendário Garry Kasparov escreveu em sua coluna para a Time Magazine que é o triunfo de uma novíssima geração que aprendeu a jogar com computadores, em detrimento da geração de Anand, Kasparov e outros Grandes Mestres que aprenderam o jogo por meio de, palavras do Ogro de Baku, “livros empoeirados”.
Portanto, a realidade do aprendizado do xadrez, mesmo nos níveis mais elevados, parece não estar em desconformidade com a tendência cada vez maior de se aprender qualquer coisa usando os computadores, deixando de lado os livros, que trazem consigo o fardo (ou fascínio), de precisarem ser lidos e interpretados para começarem a revelar o conhecimento que se busca.
Claro, a modernidade é como o peão no nosso amado jogo, não dá passos para trás, e talvez o melhor que (nós saudosistas) podemos fazer é torcer para que resistam pelo menos os livros digitais no futuro! Mas talvez nem isso…
No caso dos livros de xadrez, percebe-se como piorou o cenário. No passado, todos os grandes campeões publicaram livros sobre suas partidas, suas ideias sobre o jogo e sua abordagem nos diferentes tipos de posição. A escola soviética, fortemente ligada ao seu patriarca Botvinnik, vaticinava que os melhores jogadores precisavam publicar análises de suas partidas, forçando-se assim a aperfeiçoar sua técnica, enriquecendo a literatura do jogo por tabela.
Hoje, é cada vez menor o número de jogadores de elite, como alguém da nova geração entre os 10 melhores do mundo, escrevendo livros. Existem autores excelentes que produzem muito na atualidade, como o PhD e GM John Nunn, mas ele é da geração antiga!
O fato é que, com a concorrência dos novos métodos de ensino e aprendizagem do jogo, com a facilidade de ter seu livro “pirateado”, com os baixos valores pagos por uma atividade árdua como a de escrever um bom livro, os Grandes Mestres jovens preferem guardar seus segredos e tratar de vencer torneios para garantir sua renda.
No Brasil, por exemplo, não existe nenhum livro nacional de destaque desde a época do “Xadrez Básico” (que ainda corre o sério risco de ser o melhor livro de xadrez escrito por um brasileiro).
O reflexo disso tudo pode ser visto aqui mesmo, em nossa cidade (falo especificamente de Natal – RN, mas não deve ser só aqui) os livros de xadrez estão sumindo das prateleiras. Nas livraria do maior shopping da cidade ainda era possível meses atrás encontrar alguns volumes da série “Meus Predecessores” de Kasparov, a um preço exorbitante de R$ 108,00 (mas isso é outro assunto), só que sumiram.
Numa outra livraria, que tristemente encontra-se reduzindo suas atividades e seu acervo, dentre os mais de 10 mil volumes da enorme loja, pergunto ao vendedor sobre a prateleira de xadrez (que ousadia), ele me aponta desinteressado uma junto ao chão, na parte de esportes. Espremidos entre a Fórmula 1 e o Futebol, cinco míseros títulos, nenhum deles relevante para alguém que queira se aperfeiçoar no jogo.
É uma tristeza. Os novos mestres escrevem menos e as editoras também não vão deixar de publicar auto-ajuda e livros sobre variados “tons de cinza” para investir em livros sobre xadrez…
Guardo em casa os livros de xadrez que fui conseguindo adquirir ao longo dos anos, cada um registra uma fase. Alguns da clássica “Colección Escaques”, que comprei em Fortaleza, na Livraria ao Livro Técnico da Praça do Ferreira, outros que comprei em sebos, ou pela internet. Alguns que foram presentes de amigos queridos, como “ El Arte del Sacrificio en Ajedrez”, ofertado há (susto!) 20 anos pelo amigo e primeiro professor de xadrez, Ari Maia.
Lamento os dois únicos que emprestei, o meu “Xadrez Básico” de capa vermelha e o “Aberturas e Armadilhas”, jamais devolvidos.
Meus livros são meu pequeno tesouro. Sei que já nem os estudo como planejava ou como deveria, é verdade. Talvez alguns deles tragam análises que os computadores modernos refutem, outros nem sejam tão bons como eu pensei na hora da aquisição, mas todos são valiosos. Ao folheá-los, não raro lembro exatamente do que pensei anos atrás, dos sonhos de maestria ou do fascínio causado por uma jogada ou combinação, ou por uma análise magistral que consegui captar.
Descobri que um livro empoeirado de xadrez não traz só partidas e análises desatualizadas, com o tempo ele passa a guardar também pedaços da nossa história.