Em 1961, Fischer, um astro em ascensão, jogou um match contra o antigo menino prodígio e consagrado grande mestre norte-americano Samuel Reshevsky. Uma das armas do veterano era a variante acelerada da Defesa Siciliana Dragão contra a perene abertura do peão do rei de Fischer.
A sexta partida, desembocou na seguinte posição:
Fischer optou pela pacífica linha 12. Dg4 d6 13 Dd1, que deixa as pretas em boa posição. A partida terminou com a divisão do ponto. Análises subsequentes acabaram por conferir a esta subvariante uma fama de “empatativa”, de modo que o próprio Fischer alterou seus planos para o mais sólido sistema Maroczy contra a Dragão.
No ano seguinte, a mais de 8000 km de distância, a posição acima se repetiu numa partida de um evento por equipes na URSS entre o Mestre Internacional Rashid Nezhmetdinov e o Grande Mestre Internacional Oleg Chernikov.
Talvez a partida de Fischer fosse conhecida de ambos os soviéticos, mas o fato é que Nezhmetdinov começou a pensar além do normal para uma posição com opções tão limitadas e com desfecho tão claro: o empate por repetição de lances (após 12. Dh6 Bg7 13. Dh4 Bf6 etc) ou pela linha escolhida por Fischer. Chernikov pôs-se a passear pelo salão, e chegou até mesmo a perguntar para Vladimir Voloshin, amigo de Nezhmetdinov: “Você sabe porque Rashid Gibyatovich está pensando tanto? É uma posição morta. Se ele queria evitar o empate, deveria ter pensado antes” Foi quando um garoto chegou até ele dizendo: “Senhor, ele acaba de sacrificar a dama!”.
Quando Chernikov voltou ao tabuleiro, estava jogado o fantástico lance que Fischer não fez: 12.D×f6!! Um dos sacrifícios intuitivos mais fantásticos da história do xadrez.
A partida seguiu com 12.… Ce2+ 13.C×e2 e×f6 14.Cc3 … O plano das brancas se baseia em explorar a grande diagonal a1–h8 desguarnecida pelo bispo da Dragão que foi tomado pela dama, e trazer uma torre até f3. 14.… Te8 (muitos analistas indicaram que teria sido melhor continuar com 14.… d5, após o qual Nezhmetdinov teria jogado 15.Bd4! e usar plano similar ao da partida) 15.Cd5 Te6 16.Bd4 Rg7 17.Tad1 d6 18.Td3 Bd7 19.Tf3 Bb5 20.Bc3 Dd8 21.C×f6! mais uma vez um lance crucial na casa f6 ! 21.… Be2 22.C×h7+! Rg8 23.Th3 Te5 24.f4! 24.… B×f1 25.R×f1 Tc8 26.Bd4! O bispo vale muito mais que a torre inimiga! 26.… b5 27.Cg5 Tc7 … As brancas lançam mão de elegante combinação final para simplificar a posição com 28.B×f7+! T×f7 29.Th8+ R×h8 30.C×f7+ Rh7 31.C×d8 T×e4 32.Cc6 T×f4+ 33.Re2 Apesar de o final ainda demandar técnica por parte das brancas para ser vencido, Chernikov reconhecia que aquele era o dia de Nezhmetdinov, ou talvez ele só quisesse finalmente poder levantar-se a cadeira (1-0).
Nezhmetdinov, um mestre pouco conhecido fora da ‘Cortina de Ferro’, mas cujo ímpeto de ataque lhe rendeu a alcunha de “enxadrista assassino“, foi grande amigo e grande influenciador de Mikhail Tal (contra quem, aliás teve escore positivo +3 -1 =0!).
Realmente uma lástima que, por diversos motivos, nunca tivemos um confronto “Fischer × Nezhmetdinov”, teria sido épico!
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