Leão derruba Torre no xadrez

É muito raro que um jogador dê chances de sofrer derrotas espetaculares contra um mesmo adversário, mas quando acontece, normalmente entra para a história.

No princípio dos anos 1980, o promissor grande mestre filipino Eugênio Torre sofreu uma derrota contundente, que se tornou famosa, contra o lendário soviético Lev Polugaevsky.

A fantástica variante que segue após 14.d×e6! sacrificando uma torre inteira, fez dessa partida uma das mais comentadas da história do jogo! Torre nem pestanejou, pois a teoria da época lhe dava segurança, mas a posição (e a teoria daquela abertura) foi completamente alterada após 18.h4!!. Mesmo passado seu auge, Polugaevsky aplicou seu método profundo de busca da essência das posições de xadrez e encontrou uma joia. A ideia é que a “jaula” formada pelos peões na ala do rei tornaria inútil a torre extra das pretas. Até esta partida, a teoria apontava que as brancas devariam optar por 14. e×f8=D!? com melhores chances para as pretas (por exemplo na partida Beliavsky × Bagirov , jogada menos de 3 meses antes, naquele mesmo ano de 1981, e que acabou empatada).

No ano seguinte, em 1982, Torre teve sua revanche, numa partida longa, mas teve o cuidado de mudar a abertura.

Apenas 2 anos depois, Torre enfrentou novamente Polugaevsky, mais uma vez com as peças pretas. Talvez achasse que o famoso soviético estivesse sentindo o peso dos anos e pensou em reverter o escore entre os dois (que então estava empatado). Usou a mesma defesa que lhe dera a vitória em 1982.

Talvez o medo de sofrer nova derrota tenha antecipado justamente esse resultado, pois o filipino jogou bem pior que da primeira vez, praticamente entregando ao adversário uma combinação similar à famosa Lasker × Bauer, quando fez o péssimo 18. … Cb8?? . Segue a partida completa.

Torre e Polugaevsky ainda se enfrentariam 4 vezes, mas o filipino não conseguiu vencer nenhuma delas (-1 =3). Descobriu com essas derrotas aquilo que facilmente saberia se soubesse a língua russa: Lev, o primeiro nome de seu algoz, significa Leão.

Sobre os jogadores

Lev Polugaevsky

Polugaevsky (URSS/Bielorússia, 1934 — 1995) foi um jogador de grande renome internacional. Campeão absoluto da URSS duas vezes, em 1967 e 1978, além de ter empatado pelo título de 1969 com Petrosian. Foi três vezes candidato ao título mundial (numa delas, no ciclo 1976-78, ele derrotou o grande mestre brasileiro Henrique Mecking nas quartas de final, +1 -0 =11), porém nunca chegou a ser o desafiante oficial. Foi um grande teórico de aberturas, inclusive deu nome a uma importante variante da Defesa Siciliana Najdorf: 1.e4 c5 2.Cf3 d6 3.d4 c×d4 4.C×d4 Cf6 5.Cc3 a6 6.Bg5 e6 7.f4 b5. Escreveu um dos livros mais respeitados sobre o xadrez de alto nível, “Grandmaster Preparation” (1981), no qual, entre outros temas, mostra com detalhes o profundo processo para desenvolver a variante que leva seu nome.

Torre (Filipinas, 1951 — ) foi candidato ao título mundial no ciclo 1981-1984, qualificado após vencer o Interzonal de Toluca em 1982 (junto com Portisch), mas foi derrotado nas semi-finais por Ribli. Teve estreita relação com Fischer nós anos 1980-1990, e foi segundo do norte-americano em seu match de retorno em 1992 contra Spassky. Foi o primeiro asiático da história a receber o título de Grande Mestre da FIDE, em reconhecimento a sua medalha de prata individual na Olimpíada de Xadrez de Nice em 1974. Uma vitória importante de sua carreira foi o torneio de Manila de 1976, no qual terminou à frente do campeão mundial Anatoly Karpov, a quem venceu num dos confrontos individuais durante o evento. Um ponto interessante de sua carreira é que ele participou de todas as olimpíadas de xadrez desde 1970 (exceto a de 2008) até 2016. Segue como um dos melhores jogadores em atividade de seu país.

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