Informação x Habituação

“Se andarmos apenas por caminhos já traçados, chegaremos apenas aonde os outros chegaram.” 

Alexander Graham Bell 

“O maior erro você o comete quando, por medo de se enganar, erra deixando de se arriscar em seu caminho. Não erra o homem que tenta diferentes caminhos para atingir suas metas. Erra aquele que, por medo de se enganar, não caminha. Não erra o homem que procura a verdade e não a encontra; engana-se aquele que, por medo de errar, deixa de procurá-la.” 

René Trossero

Fonte

Depois que conheci o conceito de dissonância cognitiva, parece que fiquei sensibilizado com o tema. Várias vezes, me pego pensando no assunto, ao perceber, por exemplo a dificuldade que muitos tem em se deixar expor a opiniões ou crenças contrárias à sua própria.

Qual o risco que corremos ao nos ilhar, a nos proteger no porto seguro de pessoas, assuntos e experiências que já conhecemos, com os quais concordamos e onde nos sentimos protegidos? É simplesmente o risco de parar. E digo isso baseado não somente no senso comum, mas na Ciência!

Na área da engenharia elétrica, existe a chamada Teoria da Informação, proposta por Claude Shannon, que diz que a quantidade de informação contida numa mensagem é inversamente proporcional à probabilidade de ocorrência da mensagem, que é a chance de aparecer aquela mensagem específica dentre todo o conjunto possível de mensagens. Assim, uma mensagem repetida várias vezes perde seu conteúdo de informação, se torna irrelevante, não se aprende nada ao recebê-la.

Pode até ser reconfortante escutar vez após vez os dogmas queridos do coração, mas não é possível aprender mais nada com eles. E ainda se corre o risco de passar a aceitar como verdade uma mentira dita repetidas vezes (sem chance de ser sequer combatida).

Noutra teoria, desta vez na refinada neurociência, existe o conceito de habituação. A habituação é um mecanismo segundo o qual a resposta neuronal a um determinado estímulo diminui ou mesmo cessa quando este é repetido frequentemente. Um exemplo prático: se o alarme do seu carro começa a tocar todo dia, talvez por algum defeito, nos primeiros dias você corre assustado para ver se é roubo, com o tempo nem sequer escuta o som do mesmo.

Parece até que a teoria de Shannon foi codificada nos nossos circuitos neuronais.

Dois ramos da ciência, duas realidades distintas, mas a mesma constatação: perde-se a capacidade de aprender, e mesmo de reagir, quando nos abrigamos no que é aceito e conhecido, a salvo de tudo aquilo que não aceitamos, que não concordamos.

Então devemos ser “metamorfoses ambulantes”, sem opinião, sem posição?

Não, absolutamente! Devemos manter viva a chama da indagação, da curiosidade, não deixar que nosso cérebro deixe de reagir aos estímulos! Somente quando permitimos a variedade desses estímulos é que conseguimos afastar o risco da habituação e manter elevado o nível de informação a que somos apresentados.

Ao deixar os diferentes lados das diversas questões passarem por nosso julgamento é que construímos bem as nossas fronteiras de decisão. Não quer dizer que decidiremos sempre certo, mas cometeremos erros cada vez melhores!

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O Xadrez e a dissonância cognitiva

Passamos por um momento difícil no Brasil. Existem grupos com ideologias díspares que exageram suas diferenças de forma a incitar uma divisão na população, o tal do ‘nós x eles’. Cada lado feliz em conferir ao outro o título de ‘Idiota’ (com I maiúsculo mesmo).
 
Pensava nisso após escutar o episódio Dissonância Cognitiva, do podcast Café Brasil, de autoria do escritor Luciano Pires. Neste episódio ele nos fala, entre outros pontos, da importância de se manter atento e não correr o risco de ficar petrificado numa posição ao evitar, até mesmo, ler certos autores ou se permitir escutar opiniões divergentes da sua própria.
 
O Xadrez é um campo de atuação humana onde a convivência com a dissonância cognitiva faz parte da rotina.
 
O enxadrista não pode bater o pé e dizer: agora só jogo com as brancas, ou só com as pretas. Ele pode até fazer birra e nunca jogar nenhuma abertura do Peão do Rei, ou nunca usar a Defesa Siciliana, mas essa atitude jamais fará dele um grande mestre, sequer um mero candidato a mestre.
 
Por que não? Estranharão alguns. Porque na riqueza e diversidade de posições possíveis, na experiência em combater cada uma delas, ora de brancas, ora de pretas, ora atacando, ora defendendo, é que o enxadrista tem a oportunidade de criar sua própria cultura sobre o jogo. É isso que lhe permite aguçar seu estilo ao buscar nos elementos diversos do jogo aqueles que mais se adaptam ao seu temperamento.
 
Se observamos esta característica do Xadrez, que é a mesma da vida, quando gira o tabuleiro, troca-se de lado, muda-se a perspectiva, é preciso jogar com as peças que pouco antes eram nossas adversárias, defender posições nas quais há instantes liderávamos um ataque. O Xadrez é a luta para provar a cada lance que o idiota é o outro, apenas para, na outra partida, mudar de lado, e quiçá admitir que o idiota é você mesmo.
 
Há casos famosos de jogadores que deliberadamente não usam determinadas linhas de abertura de partida por questões, digamos, ideológicas. Um caso interessante era o recentemente falecido GM Viktor Korchnoi.
 
Korchnoi teve uma vida difícil, órfão na União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial, depois dissidente do regime e desertor soviético. Em sua trajetória acumulou algumas inimizades famosas no ciclo enxadrístico, uma das mais notórias foi com o GM e ex-campeão do mundo Tigran Petrosian.
 
Petrosian, Korchnoi e Vasyukov (1961) – só o Xadrez os unia
O cisma entre eles merece uma postagem exclusiva, mas o que faz a ligação com o assunto em questão é que Korchnoi jamais jogava lances teóricos introduzidos na prática magistral por Petrosian. Lembro duma ocasião em que li uma partida comentada por Korchnoi que, de negras, enfrentava o então promissor GM espanhol Pablo San Segundo. Era uma Defesa Índia da Dama (DID) e, na quarta jogada, a branca escolheu seguir com 4. a3: “Este lance introduz o Sistema Petrosian da DID. Eu jamais joguei esta posição de brancas, pois seu propositor foi um inimigo de minha vida”.
 
Acredito que, tecnicamente, o grande Korchnoi percebia o valor da contribuição teórica de seu antagônico confrade, porém, por uma forte razão pessoal, conscientemente boicotava o rival. A raiva era tanta que o pobre San Segundo (25 anos de idade na época) transformou-se, momentaneamente, no antigo desafeto de Korchnoi (então com 64 anos de idade) e foi exemplarmente punido no tabuleiro.
 
Apesar de sua carreira tremendamente vitoriosa, talvez por esse tipo de licença técnica é que Korchnoi jamais tenha sido Campeão do Mundo.
Há de se ter cuidado com a dissonância cognitiva. A armadilha de simplesmente negar o lado dissonante pode nos tornar o ‘Idiota’ da história, e quem sabe até seja o que nos atrapalhe a enxergar e chegar mais longe.
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