O “olho” de HAL |
Grandes personalidades humanas são responsáveis por mudanças marcantes na história. Kasparov serviu como um dos últimos defensores da superioridade da mente criativa humana sobre a brutalidade computacional da máquina. Ele saiu derrotado, e o quase inalcançável desafio vislumbrado pelos pais da computação, vencer o melhor humano no jogo de xadrez, estava superado.
Algumas ironias e injustiças podem ser apontadas sobre o confronto de Kasparov e Deep Blue: poucos sabem que Kasparov já havia vencido a máquina no ano anterior por um escore ainda mais favorável; Deep Blue nunca soube que estava jogando xadrez, e provavelmente a versão de 1997 ainda não era tão boa a ponto de vencer uma revanche contra Kasparov (lembrando que estavam empatados, se contarmos com o primeiro confronto de 1996); e, a mais triste delas, Kasparov, um gênio e talvez o melhor de todos os tempos no xadrez, passou a ser conhecido para as grandes massas por esta derrota.
O ex-campeão, porém, parece ter superado bem o episódio. Em seu recente livro, Deep Thinking, ele mostra uma visão mais amadurecida da derrota, e aceita seu papel na história como aquele que fez a inexorável passagem de bastão para as máquinas no que se refere ao xadrez. Simbolicamente, talvez até além disso.
Hoje, a vitória de Deep Blue é colocada com um dos marcos importantes do desenvolvimento da Inteligência Artificial, apesar de aquela não ter sido rigorosamente uma máquina inteligente. Desde então, enormes avanços nessa área tem sido vistos, como controle autônomo inteligente de carros no trânsito, tradução oral de línguas em tempo real, compra e venda de títulos no mercado financeiro controladas por algoritmos inteligentes etc. Recentemente, uma máquina venceu o melhor humano num jogo ainda mais complexo que o xadrez, o Go.
Apesar desses avanços, os cientistas da Inteligência Artificial ainda estão distantes de conceber uma máquina que não somente seja a melhor em xadrez ou Go, mas que de fato saiba que está a jogar. Para os demais humanos, é preciso encontrar um lugar ao sol no novo mundo que se aproxima e que será ainda mais ‘admirável’ que o pensado pelos ficcionistas do passado. Um mundo no qual máquinas farão todo o trabalho mecânico, todo o trabalho logístico, darão aulas, fornecerão acurados diagnósticos médicos, resolverão pendências jurídicas sem incorrer em nenhum viés. Máquinas que poderão um dia, quem sabe, calcular que não precisam mais de nós, seus criadores.
O papel do homem neste novo mundo, pode ser incerto, mas jamais imprescindível. Há que haver a noção de sentido, sem a qual seria vã toda tecnologia. Seriam vãs as máquinas que jogam xadrez, porque saberiam que o resultado final é um empate e como chegar a ele. E chegaria, então, o dia em que as máquinas seriam tão inteligentes que, enfim, perguntariam: o que fizemos?