Alguns podem dizer que é evidente que a posição deveria sempre prevalecer, mas se esquecem que não é no tabuleiro que se dá a batalha, mas na mente de cada enxadrista!
Categoria: Campeões Mundiais
Xeque-mate no preconceito
Início da partida. Short, visivelmente desconfortável, podia estar pensando: “Eu e minha boca…” (Fonte: Chessbase.com) |
A partida aconteceu há poucos dias, na terceira rodada do Torneio Internacional de Gibraltar. Jogando com as peças pretas, o que dificulta um pouco a vitória, Dronavalli, magistralmente, forçou Short a inclinar seu Rei. Não sei se a jovem mestra indiana buscou algum tipo de revanche contra o falastrão inglês, mas o certo é que sua atuação foi impecável, com lances fortíssimos, como o da posição abaixo, que selou a partida.
Posição após 31. Dxd5 … . Pretas jogam e ganham. |
Será o fim dos livros de xadrez? (II)
Há alguns meses, escrevi aqui sobre o fim dos livros de xadrez. O mote foi a percepção que tive da escassez crescente de títulos sobre nosso amado jogo nas maiores, e menores, livrarias das cidades por onde tenho andado. Infelizmente, daquele texto para cá, a situação só piora.
Desta vez, acredito que o sinal de decadência é claro e irreversível. Vejam só o que descobri na seção de xadrez de uma grande livraria de um grande shopping da cidade do Rio de Janeiro:
Seção de xadrez numa das maiores redes do país. |
Chegamos ao ponto de a seção de xadrez ser composta basicamente de livros sobre o jogo de Pocker (que tem atraído muito enxadristas, pelas similaridades analíticas e pelo potencial financeiro bem maior). Até aí, o susto estava moderado. Peguei, então, um dos poucos livros de xadrez na seção e me deparei com mais um disparate:
Um guia “definitivo” com dois erros grosseiros logo na capa. |
Como pode a editora deixar passar uma capa dessas? Com dois erros crassos!? Uma que salta aos olhos: os cavalos e os bispos com a posição trocada (o outro erro, deixo como desafio ao leitor).
A desilusão estava grande, e fui caminhando para a saída da loja, onde estavam títulos com grande desconto, a maioria por R$ 9,90. Fiquei ali remexendo nos livros em oferta e tive a maior surpresa do dia:
Um clássico, jogado ali, entre as pechinchas. |
O volume I da coleção predecessores do Kasparov (que, aliás, é o último dos grandes campeões do mundo cuja obra literária é digna de nota), em inglês (a original), em capa dura, ali, jogado no meio de livros sobre esoterismo e auto-ajuda. Um insulto sem tamanho! Lembro que, não tem nem um ano, eu vi o mesmo volume noutro local por mais de R$ 100.
Reduzida a indignação, fiz a única coisa decente para a ocasião: comprei o livro e saí limpando os pés na soleira da loja.
As trigêmeas de Gotemburgo
E. Geller × O. Panno
P. Keres × M. Najdorf
B. Spassky × H. Pilnik
(Gotemburgo, 1955)
Posição após 10. … Cfd7
Esta posição tornou-se famosa não por uma partida, mas por três! Todas jogadas simultaneamente no mesmo torneio (o Interzonal de Gottemburg, em 1955), na mesma rodada, sendo todos os três jogadores das peças brancas soviéticos e os três jogadores das peças pretas argentinos! Tratava-se, então, de um duelo inusitado entre as duas mais fortes nações enxadristas na época (União Soviética e Argentina haviam conquistado, respectivamente, Ouro e Prata na Olimpíada de Xadrez em 1954) em um torneio individual. Dos 6 jogadores envolvidos nas 3 partidas, apenas Pilnik jamais foi campeão mundial ou candidato ao título.
Um dos argentinos era Miguel Najdorf (Polônia/Argentina, 1910 — 1997, polonês de nascimento, criador da famosa variante da Defesa Siciliana que leva seu nome, justamente a defesa escolhida pelos jogadores de pretas nas três partidas acima. Acontece que os argentinos haviam preparado em segredo um novo lance (9.… g5) com o qual contavam surpreender aos soviéticos. Uma tarefa nada fácil!
Geller, jogador conhecido pelo conhecimento enciclopédico de xadrez, foi o primeiro a descobrir a refutação para a novidade portenha, após meia hora de reflexão, seguido depois por Spassky e Keres, que precisaram pensar por cerca de uma hora.
O curioso é que Najdorf e Pilnik (alemão naturalizado argentino) foram, alegremente, acompanhar a partida de seu companheiro Panno, depois que perceberam que os soviéticos todos haviam entrado na variante preparada, enquanto seus respectivos adversários checavam com análises, cada um no seu tabuleiro, se o lance de Geller era mesmo correto. Neste momento, segundo nos conta o próprio Efim Petrovich, Najdorf, teria cochichado para ele: “Sua partida está perdida, nós já analisamos tudo isso!”
Após as três próximas jogadas de Geller, porém, os dois voltaram para suas mesas, desanimados. O grande teórico soviético havia descoberto a falha na análise dos argentinos, e seus compatriotas não tardariam a fazer os mesmos lances.
A partir da posição acima, seguiu em todos os tabuleiros: 11.C×e6! f×e6 12.Dh5+ Rf8 até aqui os argentinos estavam confiantes de sua análise caseira, mas veio a refutação em dois tempos. 13.Bb5! Ce5 14.Bg3! Os argentinos tinham previsto 14. 0-0+ Rg8 15. Bg3 h×g5 com boa posição, mas a sútil alteração de ordem das jogadas deixa as pretas sem esperanças. Najdorf e Pilnik se desviaram da partida de Geller e Panno no 13º lance, com 13. … Rg7.
A variante proposta pelo trio argentino só seria ressuscitada três anos depois, quando Fischer empregou contra Gligoric a nova jogada 13.… Th7!, conseguindo empatar a partida para as pretas.
Steinitz: uma combinação imortal
W. Steinitz x C. von Bardeleben Hastings, 1895 Posição após 21. … Re8 |