Karjiakin x Carlsen, NY 2016 WCC m4. Posição após 94. Rf2 (empate). |
Categoria: Campeões Mundiais
Rubinstein, um lance, duas vitórias
Zürich 1953: um torneio, alguns livros, uma lenda
Capas das edições mais recentes em inglês (Amazon) |
Existe no xadrez uma tradição que, apesar de sofrer algumas mudanças de formato ao longo da história, permanece fascinando jogadores de todos os níveis e aficionados: o Torneio de Candidatos.
Um aspecto das rodadas inciais em 1953 (livro Najdorf) |
Um dos motivos para a menor fama do excelente livro de Najdorf era o fato de ele estar disponível somente em espanhol. Recentemente, porém, foi lançada uma edição em inglês, e a popularidade da obra deve alcançar seu devido lugar.
Revisar a partida sob a ótica desses dois lendários mestres é muito enriquecedor. Percebe-se o respeito mútuo, o profundo conhecimento estratégico, a tática aguçada, a honradez dos mestres. Por exemplo, Bronstein em momento algum se refere ao fato de ter pouco tempo restante no relógio para explicar algum erro seu, enquanto Najdorf cita que ele estava com pouco tempo, mas mesmo assim encontrou a melhor continuação no lance 25 (ao qual deu duas exclamações ‘!!’ – aliás, Najdorf é muito mais afeito ao uso de ‘?’ e ‘!’ em suas notas).
Existem diferenças, claro. Por exemplo nos lances 12 e 17, Bronstein considera desnecessário mostrar algumas variantes (provavelmente porque considerou fáceis de visualizar), em outros as análises divergem, como no lance 33. A verdade, porém, é que a partida fica muito mais instrutiva quando são unidas as notas, que se complementam.
Há sempre pelo menos duas formas de fazer qualquer coisa na vida, assim como no xadrez. Há os que começam com o peão do rei e outros com o peão da dama, há os destros e os canhotos, há pessoas analíticas e as intuitivas. Assim, não vejo como desmerecer um livro frente ao outro. Bronstein e Najdorf são fieis aos estilos segundo os quais viveram suas vidas e moveram suas peças. Esta dualidade não diminuiu em nada a qualidade de suas obras, ambos apenas enriqueceram o mundo com seus lances, ideais e palavras.
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*Há ainda os livros escritos por Max Euwe e Gideon Stahlberg que estão disponíveis apenas em antigas edições nas línguas maternas dos autores.
Bispos Laskantes
Dr. Em. Lasker x J. H. Bauer, Amsterdam 1889
Posição após 13. … a6
Algumas partidas se tornam famosas por belas combinações, por seu peso para o resultado de um torneio ou por mudar a vida de alguém. Em 1889, o então promissor aspirante ao título de Campeão Mundial, Dr. Emanuel Lasker, jogou contra Johan Bauer (forte mestre austríaco à época) uma partida que se celebrizou por ter popularizado um novo tema tático, belo e poderoso. Se a Partida Imortal se eternizou pelo duplo sacrifício de torres, esta entrou para a história por causa de um sacrifício duplo de bispos.
Campeão Mundial por 27 anos (de 1894 a 1921, um recorde), Lasker foi um dos mais fortes enxadristas da história. Além disso, foi um dos últimos campeões com múltiplos talentos, sendo doutor em matemática, filósofo e grande mestre de xadrez. Lasker, aliás, estava no grupo de cinco jogadores aos quais o Czar russo Nicolau II se referiu ao cunhar o termo ‘Grande Mestre’, quando se dirigia aos cinco melhores colocados no Torneio de São Petesburgo de 1914. Um título que se tornou tão significativo que foi oficialmente adotado pela federação internacional anos depois.
Johann Hermann Bauer deixou pouca informação a seu respeito e, no xadrez, foi mais um a seguir a triste sina de Kieseritzky, passando à posteridade como o derrotado de uma partida fantástica.
Na posição acima, as brancas possuem vantagem de espaço e mobilidade plena de suas peças. Especialmente o par de bispos, que exerce forte pressão sobre o esconderijo do rei negro, tal dois canhões contra uma muralha indefesa. Porém, sem uma rápida providência, as negras podem avançar seu peão da dama, já com forte ação na grande diagonal branca, equilibrando a posição.
Lasker encontrou uma continuação avassaladora: 14. Ch5! C×h5 (se 14 … d4 15. B×f6 B×f6 16. Dg4 Rh8 17. Tf3 e5 18. B×h7 … com forte ataque) 15. B×h7+! R×h7 (se não tomar o bispo, é mate em 4 jogadas, fica como desafio descobrir) 16. D×h5+ Rg8 17. B×g7 R×g7 (novamente, não tomar o bispo leva a um mate forçado em… 8 jogadas!) 19. Dg4 + Rh7 20. Tf3 … As pretas são forçadas a entregar material de volta para não levar mate e a partida se decide facilmente para as brancas. 20. … e5 (única) 21. Th3+ Dh6 22. T×h6 R×h6 22. Dd7 … (retomando um dos bispos) 22. … Bf6 D×b7 e as pretas abandonaram 14 lances depois.
Depois desta partida, o sacrifício do par de bispos contra o roque se tornou um tema muito conhecido (inclusive, há um livro a respeito) que deve fazer parte do repertório tático de todo jogador, sob risco de ser pego desprevenido, como já se viu até mesmo em outros embates magistrais: Alekhine x Drewitt (1923) e Nimzowitsch x Tarrasch (1914). Este último, aliás, recebeu Prêmio de Beleza no Torneio de São Petesburgo (já citado acima). Conta-se que, quando foi votado o prêmio, Dr. Tarrasch (que nutria por Lasker um profundo desafeto) perguntou se ele votaria por sua partida, ao que Lasker (em 1914 já Campeão do Mundo) teria respondido: “Claro que sim, sem dúvidas! Afinal uma partida assim só se vê a cada… 25 anos!”.
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Pensamento acelerado é pensamento?
‘Mas, vocês sabem como analisar variantes?’ Eu perguntei aos meus ouvintes e, sem dar-lhes tempo de responder, eu continuei. ‘Vou mostrar-lhes como analisar variantes e se por acaso eu estiver errado, então me interrompam. Vamos supor que numa dada posição em sua partida, você precise escolher entre dois lances Td1 ou Cg5. Qual deles você deve jogar? Você senta confortavelmente eu sua cadeira e inicia a análise dizendo silenciosamente para si os lances possíveis: ‘Bem, eu poderia jogar Td1 e ele provavelmente jogará … Bb7, ou poderá tomar meu peão da coluna a, que agora estará desprotegido. O que depois? Esse nova posição me agrada?’. Você segue uma jogada além em sua análise e então faz uma cara de desagrado – o lance de torre não parece bom. Então, você passa ao lance de cavalo. ‘E se eu jogar Cg5? Ele pode expulsar o cavalo com … h6, eu jogo Ce4, ele captura o cavalo com o Bispo. Eu recapturo, e ele ataca minha dama com sua torre. Isso não parece muito bom… então o lance de cavalo não é tão bom. Vamos checar o lance de torre de novo. Se ele joga … Bb7 eu posso responder com f3, mas o que fazer se ele capturar meu peão de a? O que posso fazer em seguida? Não, o lance de torre não é bom, eu tenho que checar o lance de cavalo novamente. Então, Cg5 h6; Ce4 B×e4; D×e4 Td4. Não, não é bom! Eu não devo mover o cavalo. Tente o lance de torre mais uma vez. Td1 D×a2’ . Neste ponto, você olha para o relógio. ‘Meu Deus, já se passaram 30 minutos pensando se movo a torre ou o cavalo’. Se você continuar assim, acabará nos apuros de tempo. Subitamente você se depara com uma ideia feliz – por que mover a torre ou o cavalo? ‘Que tal Bb1?’. E, sem análise alguma, você move o bispo, assim mesmo, praticamente sem nenhuma consideração.
Alexander Kotov (1971) – Think Like a Grandmaster (tradução livre)
Mestres, mesmo campeões mundiais, podem ser presas dos efeitos nocivos do pensamento acelerado. (Fonte: Google, Fischer 1972) |
O tabuleiro real é ponto de encontro para amizades e conversas (acervo do autor – amigos enxadristas do RN) |
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