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Categoria: Fischer
O Xadrez na Era Supervisonada
Karjiakin x Carlsen, NY 2016 WCC m4. Posição após 94. Rf2 (empate). |
Pensamento acelerado é pensamento?
‘Mas, vocês sabem como analisar variantes?’ Eu perguntei aos meus ouvintes e, sem dar-lhes tempo de responder, eu continuei. ‘Vou mostrar-lhes como analisar variantes e se por acaso eu estiver errado, então me interrompam. Vamos supor que numa dada posição em sua partida, você precise escolher entre dois lances Td1 ou Cg5. Qual deles você deve jogar? Você senta confortavelmente eu sua cadeira e inicia a análise dizendo silenciosamente para si os lances possíveis: ‘Bem, eu poderia jogar Td1 e ele provavelmente jogará … Bb7, ou poderá tomar meu peão da coluna a, que agora estará desprotegido. O que depois? Esse nova posição me agrada?’. Você segue uma jogada além em sua análise e então faz uma cara de desagrado – o lance de torre não parece bom. Então, você passa ao lance de cavalo. ‘E se eu jogar Cg5? Ele pode expulsar o cavalo com … h6, eu jogo Ce4, ele captura o cavalo com o Bispo. Eu recapturo, e ele ataca minha dama com sua torre. Isso não parece muito bom… então o lance de cavalo não é tão bom. Vamos checar o lance de torre de novo. Se ele joga … Bb7 eu posso responder com f3, mas o que fazer se ele capturar meu peão de a? O que posso fazer em seguida? Não, o lance de torre não é bom, eu tenho que checar o lance de cavalo novamente. Então, Cg5 h6; Ce4 B×e4; D×e4 Td4. Não, não é bom! Eu não devo mover o cavalo. Tente o lance de torre mais uma vez. Td1 D×a2’ . Neste ponto, você olha para o relógio. ‘Meu Deus, já se passaram 30 minutos pensando se movo a torre ou o cavalo’. Se você continuar assim, acabará nos apuros de tempo. Subitamente você se depara com uma ideia feliz – por que mover a torre ou o cavalo? ‘Que tal Bb1?’. E, sem análise alguma, você move o bispo, assim mesmo, praticamente sem nenhuma consideração.
Alexander Kotov (1971) – Think Like a Grandmaster (tradução livre)
Mestres, mesmo campeões mundiais, podem ser presas dos efeitos nocivos do pensamento acelerado. (Fonte: Google, Fischer 1972) |
O tabuleiro real é ponto de encontro para amizades e conversas (acervo do autor – amigos enxadristas do RN) |
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Cooperação e Competição – uma receita vencedora!
Há alguns anos, enquanto preparava uma apresentação para uma plateia de formação bastante heterogênea, fui desafiado com a tarefa de explicar o funcionamento de um tipo de rede neural artificial (RNA) chamada rede SOM (acrônimo para Self Organizing Maps). Trazer para a linguagem coloquial o funcionamento de algoritmos nem sempre é uma tarefa simples. Então fiquei a procurar uma analogia.
O principal diferencial da rede SOM é que, apesar de ser um tipo de RNA competitiva (na qual os neurônios competem entre si para ser ativados por um dado padrão de entrada, ou estímulo), ela alia competição com algo não muito comum em um contexto competitivo: cooperação! Quando, em um dado ciclo de competição, um neurônio vence, ele divide sua “recompensa” com seus vizinhos mais próximos, assim, no próximo ciclo, eles estarão em melhor situação para disputar a vitória. Essa simples característica torna o resultado global da rede SOM muito melhor que o de todas as demais redes competitivas comuns.
Como eu poderia explicar isso sem ser tão técnico, ou até mesmo chato? Haveria alguma situação da “vida real” que apresentasse tal simbiose entre cooperação e competição? Nada vinha à mente… a não ser, como fui esquecer? O xadrez soviético!
O xadrez na União Soviética (URSS) é uma perfeita analogia para a rede SOM, e não sei se Kohonen estava a par disso quando desenvolveu seu algoritmo no começo da década de 1980.
Na URSS, o xadrez era levado a sério (talvez até demais). Era algo que o governo usava para demonstrar sua tese de superioridade do homem soviético. Grandes Mestres, profissionais mantidos pelo regime, eram vistos como cidadãos especiais no sistema soviético, e a eles eram até mesmo permitido certos privilégios e regalias.
No entanto, a relativa boa vida de um Grande Mestre na URSS era sujeita a algumas condições, dentre outras, além de ser um jogador primoroso, devia ser obediente e fiel ao regime!
Obviamente, esses dois fatores não seriam suficientes para explicar a hegemonia soviética no cenário enxadrístico internacional por quase 50 anos, dos anos 1940 aos anos 1990 (período brevemente interrompido pela meteórica vitória do norte americano Fischer contra o soviético Spassky em 1972). O grande segredo do sucesso da Escola Soviética de Xadrez era a cooperação!
Dentro das fronteiras da URSS, os Grandes Mestres podiam manter ferrenhas rivalidades, até mesmo inimizades, porém, em eventos no exterior, ou mesmo em eventos na URSS em que participassem estrangeiros, eles eram obrigados a compartilhar conhecimento em sessões de treinamento em grupo, deviam ajudar uns aos outros na preparação antes das partidas e analisavam em grupo as posições adiadas.
Desta forma, dentre alguns dos melhores jogadores do planeta na época, incluídos aí campeões do Mundo, não era permitido haver grandes segredos; um nova jogada descoberta, uma melhoria numa linha de jogo já conhecida, deveria ser compartilhada com os demais mestres o quanto antes. Era uma política de Estado!
Não é, portanto, de se estranhar que tantas disputas de título mundial de xadrez após 1948 tenham contado exclusivamente com jogadores soviéticos (única exceção foi Spassky – Fischer em 1972).
Mesmo após a dissolução da URSS, os Grandes Mestres de países do antigo bloco soviético ainda mantiveram grande predominância no xadrez mundial.
Para se ter uma ideia, em apenas três ocasiões o confronto pelo título mundial não teve nenhum dos jogadores com origem em países herdeiros da escola soviética: Anand (Índia) – Topalov (Bulgaria) em 2010, Anand – Carlsen (Noruega) em 2013 e Carlsen – Anand em 2014.
Funcionou! As pessoas entenderam o conceito, e os itens restantes da apresentação ficaram muito mais fáceis de explicar.
Competição e cooperação deveriam ser vistas juntas com mais frequência, a julgar pelo sucesso mais recente da rede SOM e aquele mais antigo do xadrez soviético. Assim, certamente seria muito mais simples encontrar analogias para minhas próximas palestras!
***
As trigêmeas de Gotemburgo
E. Geller × O. Panno
P. Keres × M. Najdorf
B. Spassky × H. Pilnik
(Gotemburgo, 1955)
Posição após 10. … Cfd7
Esta posição tornou-se famosa não por uma partida, mas por três! Todas jogadas simultaneamente no mesmo torneio (o Interzonal de Gottemburg, em 1955), na mesma rodada, sendo todos os três jogadores das peças brancas soviéticos e os três jogadores das peças pretas argentinos! Tratava-se, então, de um duelo inusitado entre as duas mais fortes nações enxadristas na época (União Soviética e Argentina haviam conquistado, respectivamente, Ouro e Prata na Olimpíada de Xadrez em 1954) em um torneio individual. Dos 6 jogadores envolvidos nas 3 partidas, apenas Pilnik jamais foi campeão mundial ou candidato ao título.
Um dos argentinos era Miguel Najdorf (Polônia/Argentina, 1910 — 1997, polonês de nascimento, criador da famosa variante da Defesa Siciliana que leva seu nome, justamente a defesa escolhida pelos jogadores de pretas nas três partidas acima. Acontece que os argentinos haviam preparado em segredo um novo lance (9.… g5) com o qual contavam surpreender aos soviéticos. Uma tarefa nada fácil!
Geller, jogador conhecido pelo conhecimento enciclopédico de xadrez, foi o primeiro a descobrir a refutação para a novidade portenha, após meia hora de reflexão, seguido depois por Spassky e Keres, que precisaram pensar por cerca de uma hora.
O curioso é que Najdorf e Pilnik (alemão naturalizado argentino) foram, alegremente, acompanhar a partida de seu companheiro Panno, depois que perceberam que os soviéticos todos haviam entrado na variante preparada, enquanto seus respectivos adversários checavam com análises, cada um no seu tabuleiro, se o lance de Geller era mesmo correto. Neste momento, segundo nos conta o próprio Efim Petrovich, Najdorf, teria cochichado para ele: “Sua partida está perdida, nós já analisamos tudo isso!”
Após as três próximas jogadas de Geller, porém, os dois voltaram para suas mesas, desanimados. O grande teórico soviético havia descoberto a falha na análise dos argentinos, e seus compatriotas não tardariam a fazer os mesmos lances.
A partir da posição acima, seguiu em todos os tabuleiros: 11.C×e6! f×e6 12.Dh5+ Rf8 até aqui os argentinos estavam confiantes de sua análise caseira, mas veio a refutação em dois tempos. 13.Bb5! Ce5 14.Bg3! Os argentinos tinham previsto 14. 0-0+ Rg8 15. Bg3 h×g5 com boa posição, mas a sútil alteração de ordem das jogadas deixa as pretas sem esperanças. Najdorf e Pilnik se desviaram da partida de Geller e Panno no 13º lance, com 13. … Rg7.
A variante proposta pelo trio argentino só seria ressuscitada três anos depois, quando Fischer empregou contra Gligoric a nova jogada 13.… Th7!, conseguindo empatar a partida para as pretas.