Quase a última derrota de Capablanca

Análise do grande Capablanca, terceiro campeão mundial de xadrez, daquela que foi quase sua última derrota.

Com sabem, o grande José Raul Capablanca y Graupera perdeu pouco mais de 50 partidas em toda a sua carreira profissional. Muitas delas, como se vê ao analisar tais derrotas, frutos de certo descuido do grande campeão mundial que, em face de sua enorme compreensão do jogo, por vezes passava por alto as ameaças dos rivais.

E sua obra clássica, Chess Fundamentals, de 1921, Capablanca lançou de forma didática as bases de seu modo de pensar o xadrez. Na parte final do livro, ele analisa por completo 14 partidas, muitas das quais perdidas por ele. Trata-se de uma fonte maravilhosa de ensinamentos.

Uma delas chama a atenção: sua derrota contra Oscar Chajes, no torneio em memória de Leopold Rice, em 1916. Chajes foi um mestre norte-americano de origem austro-húngara (hoje parte da Ucrânia) que era também secretário de Leopold Rice em seu cube de xadrez. Ele foi campeão do estado de Nova Iorque várias vezes.

Durante mais de 8 anos, esta foi a última derrota de Capablanca, até ter que inclinar seu rei contra Reti, no lendário torneio de Nova Iorque de 1924.

Levando em conta o valor dos ensinamentos de Capablanca, traduzi e atualizei a notação da análise que faz de sua partida contra Chajes. Chamo atenção em especial ao estilo pessoal das notas do grande cubano, da maneira como se culpa pelos erros e como enaltece os acertos do adversário.

Com a palavra, Capablanca, conforme nos deixou em seu famoso livro:

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Uma lição de Capablanca

Um dos finais mais bonitos que aprendi ainda no início dos meus estudos de xadrez foi o “Exemplo 23” do livro “Chess Fundamentals” escrito pelo genial J. R. Capablanca.

Atualmente, esse livro se encontra em domínio público e está disponível no site do Projeto Gutemberg (uma curiosidade é que ele veio ao mundo originalmente em inglês em 1921 e foi traduzido para o espanhol somente em 1947).

Fiz uma tradução livre da lição tal qual se encontra no livro e deixo aqui para o deleite dos leitores.

Fatalmente, as engines poderão indicar uma solução diversa da assinalada pelo ex-campeão mundial, mas a didática e a beleza do método proposto servem de base para a construção do pensamento enxadrístico de qualquer jogador.

Com a palavra, Capablanca:

Exemplo 23

Nesta posição, a melhor linha de defesa para as brancas consiste em manter seu peão em h2. Assim que o peão é avançado, fica mais fácil a vitória para as pretas. Por outro lado, o plano vitorioso para as pretas (supondo que as brancas não avancem seu peão) pode ser dividido em três partes. A primeira parte será obter o seu Rei para o h3, mantendo ao mesmo tempo intacta a posição dos seus peões (isso é da maior importância, já que, para ganhar o jogo, é essencial no final que as pretas possam avançar seu peão mais recuado, uma ou duas casas, de acordo com a posição do rei branco).

1.♔g3 ♔e3 2.♔g2 … Se 2.g4 f2 3.h4 g6 e ganham as pretas.

2…. ♔g2 ♔f4 3.♔f2 ♔g4 4.♔g2 ♔h4 5.♔g1 ♔h3 A primeira parte foi concluída.

A segunda parte será curta e consistirá no avanço do peão da torre até o rei preto.

6.♔h1 h5 7.♔g1 h4 Isso dá fim à segunda etapa.

A terceira parte consistirá em calcular o avanço do peão do cavalo de modo a jogar … g3 quando o rei branco estiver em h1. Agora se torna evidente quão necessário é ser capaz de mover o peão do cavalo preto uma ou duas casas de acordo com a posição do rei branco, como indicado anteriormente (*). Neste caso, como é a vez das brancas, o peão deve avançar duas casas, já que o rei branco estará no canto, mas se fosse agora a jogada das pretas, o peão deveria avançar apenas uma casa, já que o rei branco estaria em g1.

8. ♔h1 g5 9. ♔g1 g4 10. ♔h1 g3 11. h×g3 … Se 11.g1 g2.

11…. h×g3 12. ♔g1 g2 13. ♔f2 ♔h2 e ganham.

O estudante deve tentar aprender a pensar dessa maneira analítica. Ele irá, assim, treinar sua mente para seguir uma seqüência lógica no raciocínio de qualquer posição. Este exemplo é um excelente treino, pois é fácil de dividir em etapas e explicar a ideia principal de cada uma delas.

(*) Referência a uma lição anterior contida no livro.

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Rubinstein, um lance, duas vitórias

A série sobre posições famosas demanda muitas pesquisas em livros, revistas antigas, fóruns de discussão, que trazem muitas descobertas interessantes, além das diversas sugestões de colegas enxadristas. Tais curiosidades, que talvez não estejam exatamente dentro da proposta da série, com frequência dão origem a uma postagem só para elas.

Num antigo livro com 50 partidas seletas, duas me impressionaram em especial. Em ambas, jogava de brancas o grande mestre Akiba Rubinstein e seus adversários eram (ou seriam) campeões mundiais: Lasker e Capablanca, respectivamente. Rubinstein ganhou dos dois usando uma mesma jogada, embora as posições sejam distintas! Seria um método secreto para vencer campeões do mundo?
Rubinstein nasceu na Polônia (então parte do Império Russo) e foi contemporâneo de Lasker, Capablanca, Alekhine, Tarrasch e Marshall, para falar apenas dos famosos cinco grandes mestres originais. A forte concorrência no período em que esteve no auge de sua força enxadrística pode ajudar a entender porque Rubinstein jamais foi campeão mundial. Outros fatores foram sua condição financeira desfavorecida e a eclosão da I Guerra Mundial, quando Rubinstein estava no ápice de sua forma.

Um match com Lasker estava pré-firmado para 1914, quando começou a guerra, e, depois dela, a penível condição econômica europeia impediu que Rubinstein conseguisse levantar os valores pedidos por Lasker como bolsa mínima para a disputa do título (o mesmo aconteceria depois, quando o campeão já era Capablanca).

Segundo os ratings históricos, Rubinstein esteve pelo menos o entre os quatro melhores do mundo no período entre 1905 e 1915 e foi provavelmente o mais forte enxadrista do mundo entre 1912 e 1914. Justamente neste período áureo foram jogadas as partidas contra Lasker e Capablanca, nas quais Rubinstein usa o mesmo lance para obter a vantagem.

Nas posições acima, as partidas se encontram em seu momento crítico. Contra Lasker, era primeiro confronto entre eles, e Rubinstein precisa encontrar uma forma de retomar a torre sem cair num final desfavorável. Contra Capablanca, também o primeiro confronto entre os dois, o grande mestre polonês preparou uma linha aguda de abertura e precisava achar o único lance que não só evitaria ficar mal de imediato, mas deixa as brancas com posição superior!

Na primeira posição, Rubinstein jogou 18. Dc1!, exatamente o mesmo lance (com outras ideias) que fez na segunda, 17. Dc1!!, obtendo em ambas as partidas vantagens de longo prazo que conseguiu converter em vitória algumas jogadas depois.

O xadrez está cheio de coincidências, mas, como vimos, nem todas as coincidências na vida de Rubinstein foram tão felizes como o ‘Dc1‘. O mestre sempre teve uma saude mental frágil e passou boa parte de seus últimos anos em instituições psiquiátricas, especialmente após a morte da esposa em 1954.

Esses traços da personalidade de Rubinstein chamaram a atenção do escritor russo Vladimir Nabokov, que se inspirou nele (como em outros jogadores do início do século XX) para moldar seu personagem principal no livro A Defesa Luzhin, que depois deu origem a um excelente filme homônimo.

Rubinstein pode não ter passado para a história como um campeão mundial, mas suas combinações terão sempre um lugar cativo nos tabuleiros e no imaginário de gerações e gerações de enxadristas. Na próxima vez que puder fazer o lance ‘Dc1‘, lembrarei do mestre e pensarei com cuidado, pode ser uma arma poderosa, principalmente se meu adversário for um Campeão do Mundo!

Os mais inteligentes do mundo hoje

Quem são as pessoas mais inteligentes do mundo hoje? Recentemente, foi elaborada uma lista de 30 gênios da atualidade. O site que divulgou a lista é dedicado a orientar sobre escolha de universidades ao redor do mundo. Pela própria natureza do site, dentre os 30 citados, a maioria é composta por cientistas, quase todos matemáticos e físicos. Mas a lista traz 3 enxadristas, todos grandes mestres (GM).
Fonte: JufitPolgar.com
A primeira citada é a GM Judit Polgar (39 anos, Hungria). Judit é a mais nova de três irmãs enxadristas, todas grandes mestres de Xadrez, todas treinadas segundo o método desenvolvido pelo pai delas, Lazlo Polgar. Lazlo acreditava que um gênio em qualquer área poderia ser formado por treinamento adequado, com pouca influência do talento ou aptidão natural, e resolveu provar seu método em suas próprias filhas usando o Xadrez como área de especialidade. Judit foi uma menina prodígio e tornou-se GM (título absoluto entre homens e mulheres) em 1991, aos 15 anos e 4 meses de idade, quebrando um recorde que pertencia, então, ao lendário Bobby Fischer (desde Judit, esse recorde já foi quebrado 5 vezes, e é mantido hoje pelo russo Sergey Karjakin, que foi GM aos 12 anos e 7 meses de idade). Judit foi a responsável por realmente levar às mulheres o respeito merecido em torneios internacionais, tradicionalmente dominados por homens. Foi a única mulher até hoje a figurar entre os 10 melhores jogadores do mundo e foi a líder do ranking mundial feminino por mais de 25 anos (ainda é a única mulher a ter ultrapassado a pontuação de 2700). Ela sempre jogou somente torneios mistos e, por exemplo, nunca disputou o Campeonato Mundial feminino. Judit aposentou-se das competições em 2014 e atua na divulgação do Xadrez como ferramenta de desenvolvimento pessoal.
Fonte: www.kasparov.com
Em seguida, a lista cita o GM e ex-campeão do mundo Garry Kasparov (52 anos, Rússia). Kasparov certamente é o mais famoso enxadrista do mundo, principalmente após sua derrota para o computador Deep Blue da IBM em 1997. Muitos apontam Kasparov como o melhor enxadrista de todos os tempos, dada sua grande predominância sobre seus contemporâneos e também pelo fato de ele ter sido o primeiro a ultrapassar a pontuação de 2800 no ranking mundial. Ele foi o campeão mundial mais jovem da história, aos 22 anos de idade, quando derrotou pela primeira vez seu compatriota Anatoly Karpov, e também liderou o ranking mundial por 31 anos. Após abandonar o Xadrez competitivo em 2005, Kasparov tem se dedicado ao ativismo político, sendo uma das principais vozes contra Vladimir Putin na Rússia.
Fonte: www.chessbase.com
O terceiro enxadrista citado na lista é o atual campeão mundial GM Magnus Carlsen (25 anos, Noruega). Carlsen tornou-se GM aos 13 anos, 4 meses e 27 dias, é o campeão mundial de Xadrez desde 2013 quando derrotou o Indiano Wishanathan Anand. O fato de Carlsen vir de um país sem tradição enxadrística faz muitos acreditarem que ele é um dos maiores talentos naturais para o jogo desde o cubano Capablanca, fato acentuado ainda mais pelas semelhanças de estilo entre eles. A ascensão de Carlsen no cenário mundial foi meteórica até a quarta ou quinta posição no ranking mundial. A subida posterior foi devida, em parte, à parceria feita em 2009 com Kasparov. O trabalho entre os dois foi responsável pelos ajustes finos que levaram Carlsen a ser o mais jovem número 1 do mundo da história, aos 19 anos. A jovem figura de Carlsen, que quebra a estereotipada imagem do enxadrista profissional, tem sido benéfica na divulgação do jogo. Alguns o chamam de ‘Justin Bieber’ do Xadrez, e o campeão tem sido até mesmo convidado para trabalhar como modelo junto a atrizes famosas como Liv Tyler. Este ano Magnus deve defender seu título contra o vencedor do Torneio de Candidatos que está em andamento na cidade de Moscou.

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Jogar contra o adversário ou contra a posição?

No Xadrez, é comum que o nome ou o rating de um jogador possam intimidar seus adversários numa partida. Quando isso acontece, não raras vezes, desperdiçam-se posições superiores ao não conseguir encontrar os melhores lances, pois de alguma forma perde-se a confiança de que seja possível vencer tal jogador com um rating tão alto, ou um mestre, ou um ex-campeão. Eu mesmo fui vítima deste fenômeno algumas vezes.

A solução para isso repousa na máxima: “jogue contra a posição no tabuleiro, não contra o jogador”. Há casos, porém, em que se deve fazer justamente o contrário!

Cada jogador de Xadrez é um ser humano, tem suas preferências e medos (embora alguns grandes mestres digam que não) e se essas características são conhecidas de antemão podemos fazer uso delas nas partidas. Não é à toa que, em preparação para matches, os jogadores analisam as partidas do adversário procurando não só conhecer sua técnica, mas também as nuances psicológicas e características pessoais.

Foi assim, por exemplo, que Kasparov conseguiu minar Karpovno primeiro match ente os dois, em 1984. Após começar jogando como ‘ele mesmo’, Kasparov se viu perdendo por 5 a 0 (exceto os empates), ficando a apenas uma derrota de perder o match. Ele, então, percebeu que precisava começar a jogar de forma mais sólida, exatamente no estilo de seu adversário!. Karpov sentiu os efeitos da mudança de estratégia, e após uma longa série de empates, Kasparov começou a reação. O resto é História.

O jogo psicológico foi uma das armas do antigo campeão mundial Emanual Lasker, conhecido como o melhor psicólogo do jogo dentre os campeões do mundo. Um dos exemplos mais notórios foi sua vitória, em 1914, sobre o jovem J.R. Capablanca no famoso Torneio de São Petesburgo.

Capablanca vinha liderando o torneio jogando partidas calmas, estratégicas, como era seu estilo. Quando chegou a vez de enfrentar Lasker, que vinha somente meio ponto atrás na competição, uma vitória ou mesmo um empate garantiria ao grande cubano o primeiro prêmio do certame.

Lasker jogou de brancas, e empregou a variante das trocas da Ruy Lopez, uma linha de abertura tida como pouco favorável ao primeiro jogador, pois deixava o par de bispos para as pretas e um potencial de ataque muito bom para elas. Porém, como na época Capablanca se sentia pouco à vontade em posições que demandavam uma estratégia de ataque direto, a partida gradualmente se tornou a favor de Lasker, que ganhou brilhantemente.

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Alguns podem dizer que é evidente que a posição deveria sempre prevalecer, mas se esquecem que não é no tabuleiro que se dá a batalha, mas na mente de cada enxadrista!