Bronstein: o sonhador do xadrez

David Bronstein foi um dos maiores criadores do xadrez, um homem de ideias fervilhantes sobre o jogo, mesmo dormindo! Ficou famosa uma partida completa que teria jogado, em sonho… O adversário? Ele mesmo!

Já escrevi alguns textos sobre o Grande Mestre David Bronstein (URSS/Ucrânia, 1924 — 2006), para mim, o mais humano dos grandes mestres, também um dos maiores artistas e exploradores do jogo.

Talvez à exceção de Botvinnik, seu grande rival, só se encontram boas palavras sobre o pequeno homem, já comparado a um professor de latim [1], cuja aparência física e temperamento aparentemente tímido, contrastavam em absoluto com as poderosas ideias que testava (às vezes sem sucesso, é verdade) no tabuleiro, perante boquiabertos oponentes.

Bronstein, por exemplo, costumava usar bastante tempo pensando já na primeira jogada de uma partida! Como um músico que cuida que uma obra-prima se executa desde a primeira nota.

Um dos episódios pitorescos da vida de Bronstein foi a suposta partida que ele teria jogado (contra si mesmo?) em sonho , segundo uma afirmação de Smyslov. Uma partida completa que ele teria anotado logo após acordar e que chegou a ser publicada [2].

A partida aparece também no livro “Wonders and Curiosities of Chess”, página 142 [3].

Algumas fontes na internet afirmam que Bronstein teria negado a autenticidade da partida posteriormente, mas o fato é que ela já serviu até mesmo como argumento científico em artigo dos professores Matteo Colombo e Jan Sprenger publicado em 2014 [4].

Vale pena ver a partida, que tem um belo desfecho, principalmente o belíssimo 15 … b5 das pretas!

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Nesses dias em que o xadrez de alto nível está tão dominado por preparações longas e herméticas feitas por computadores, faz bem rever essas histórias de alguém que sempre considerou o xadrez não uma mera disputa, mas um celeiro de ideias grandiosas, mesmo que guardadas no mais profundo e inconsciente dos sonhos.

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Referências:

  1. David Bronstein, El Ajedrez de Torneo: Zurich 1953 candidatos, Club de Ajedez, 2ª ed, 1984.
  2. Chess Review, Vol. 29, Nº 8. Agosto, 1961.
  3. Irving Chernev, Wonders and Curiosities of Chess, Dover Publicantions, New York, 1974.
  4. Matteo Colombo & Jan Sprenger, The predictive mind and chess-playing: A reply to Shand, Analysis, Volume 74, Issue 4, October 2014, Pages 603–608, https://doi.org/10.1093/analys/anu081.
  5. Edward Winter, Chess and Sleep.

O Xadrez na Era Supervisonada

O xadrez mudou muito após o pleno desenvolvimento de computadores capazes de vencer os melhores jogadores do mundo. A partir dos anos 1980, as máquinas começaram timidamente a vencer grandes mestres, depois apareceu uma ou outra vitória isolada contra o campeão do mundo, até a definitiva derrota em 1997, quando Garry Kasparov inclinou seu rei na sexta partida do match contra Deep Blue.

Desde então, a questão não é mais se o homem pode bater a máquina, mas sim quão bem poderia jogar a máquina, e como ela ajudaria o homem a compreender melhor este jogo milenar que nos tem fascinado por tantos séculos. Foi o fim da ‘era não supervisionada” do xadrez.

Por muitos anos, nós humanos jogamos um xadrez misterioso, instigante. Não havia uma “resposta certa” sobre as mais variadas posições, especialmente alguns finais de partida. Aberturas precisavam ser analisadas exaustivamente em sessões de treinamento que duravam dias. Enganos eram frequentes, por várias vezes mestres prepararam em casa surpresas de abertura que foram simplesmente refutadas no tabuleiro, no calor da partida. Por isso, podemos chamar este tempo de era não supervisionada do xadrez.

Foi a época de Fischer, cuja formação como jogador foi inteiramente baseada em livros, revistas especializadas, pura prática e aconselhamento com outros grandes mestres (enquanto pôde encontrar jogadores no ocidente que ainda podiam lhe ensinar algo sobre o jogo). As comunicações ainda não estavam tão bem desenvolvidas, e as partidas dos adversários soviéticos e europeus chegavam com dificuldade, coletadas por amigos e colaboradores ao redor do mundo. Quando lhe ocorria uma ideia nova, ele não podia pensar “deixa eu saber aqui neste livro, ou com este grande mestre superior se esta jogada serve”. Não, ele mesmo respirava fundo, se colocava no outro lado do tabuleiro e ia atrás dos recursos possíveis para as peças contrárias.

Contra Fischer, e contra todo o resto do Mundo, havia a forte Escola Soviética de xadrez, detentora de todos os campeões mundias após 1948 (exceto Fischer). Era uma estrutura muito bem azeitada para formação serial talentos que, uma vez na elite, eram forçados a cooperar uns com os outros para o crescimento do xadrez soviético como um todo. Apesar de ainda não existir uma “resposta certa” para as questões do jogo, sempre era possível contar com a opinião de um ex-campeão do mundo, como Botvinnik ou Tal, senão lançar mão do enorme arsenal teórico disponível em língua russa, bem guardadas pelos melhores grandes mestres do mundo. Era o que mais se aproximava do que temos hoje, quando praticamente alcançamos a ‘era supervisionada’ do jogo.

A era supervisionada é muito diferente. Para começar, antes mesmo de ser desenvolvido o poder de cálculo de variantes e avaliação de posições no tabuleiro, o simples fato de os computadores terem possibilitado a criação de bases digitais gigantes de partidas já foi uma revolução. Isso já facilitou enormemente o acesso à teoria do jogo, construída ao longo de pelo menos dois séculos de partidas entre mestres preservadas. Mas não foi só isso.

Os algoritmos de xadrez ainda estão em plena adolescência, e estamos longe de ter a ‘solução’ do jogo, como já aconteceu ao primo distante jogo de Damas. Apesar disso, os computadores já estão muito próximos de fornecer a ‘resposta certa’ em cada posição possível. Há momentos em que eles eles calculam tão bem, produzem lances tão belos, que dão a impressão de que estão a pensar!

Ao acompanhar os comentários de grandes mestres que dão cobertura às partidas do match pelo Campeonato Mundial entre Magnus Carlsen e o desafiante Sergey Karjakin (ambos crias da época computacional do xadrez), é notório como o computador fornece os lances mais fortes, sugere ideias por vezes brilhantes que não são acessíveis à mente humana no espaço de tempo limitado de uma partida de torneio. Tampouco ocorrem ao comentarista que não tem pressão nem limitação de tempo para suas elucubrações. Aliás, os dois maiores trunfos do computador são justamente o tempo de resposta (segundos) e a profundidade de cálculo, que pode chegar a dezenas de jogadas à frente, enquanto a média alcançada por grandes mestres da elite é de “somente” cinco a dez jogadas.

Nesse momento, porém surge um incômodo. O comentarista  faz uma análise, diz sua ideia sobre uma determinada posição de partida (o que antes seria tomado como uma verdade), e o jogador médio que está acompanhando sente o ímpeto de “checar” com seu aplicativo de análises se o grande mestre está mesmo certo. É uma grande inversão de valores que pode trazer uma ilusória sensação de entendimento, já que tanto o computador quanto o grande mestre têm uma base sólida para lançar uma jogada, mesmo sem ser a melhor, mas o amador que segue as avaliações do computador sem questionar criticamente é como a casa construída sobre a areia. Há muitos perigos nessa crença cega.

O computador ainda não “compreende” tão bem o jogo, apesar dos avanços técnicos que permitem transformar em objetivos parâmetros numéricos os conceitos humanos para avaliar o jogo: quantidade, qualidade e mobilidade de peças, segurança do rei, controle de espaço, estrutura de peões etc. Um exemplo foi visto na quarta partida do match Carlsen x Karjakin, quando o russo (que se defendia em posição inferior) organizou sua peças num tipo de fortaleza e impossibilitou qualquer avanço do exército inimigo, enquanto o computador continuava a fornecer avaliações favoráreis a Carlsen, numa posição claramente igualada.

Karjiakin x Carlsen, NY 2016 WCC m4. Posição após 94. Rf2 (empate).
Isso nos ajuda a recolocar o boi na frente do carro, lembrar que são os homens e suas ideias maravilhosas de xadrez e de computação que tornaram possível a evolução que vemos hoje. Não esqueçamos que por muitos anos os esforços foram para fazer o computador jogar como um humano, e não convém agora querer que as pessoas joguem como um computador. Se um dia as pessoas não forem mais capazes de julgar o que diz um cálculo frio da máquina, quem estará trabalhando para quem?

Uma vez, o ex-campeâo mundial Mikhail Tal estava para jogar uma exibição de partidas simultâneas contra vários jovens talentos soviéticos e confidenciou a um colega temer as agudas preparações de abertura dos jovens, já que ele próprio não estava mais a par das últimas novidades, era final da década de 1970. O colega tranquilizou o campeão: “não se preocupe, quando acabar a teoria que memorizaram, então serão apenas eles mesmos jogando com as próprias ideias”. Tal venceu a maior parte das partidas. Será que a legião de jogadores que busca somente assimilar as agudas descobertas computacionais não estaria somente repetindo o que fizeram os jovens que enfrentaram Tal? O que acontecerá quando tiverem que jogar com suas próprias ideias? Haverá alguma?

A era supervisionada pode matar o xadrez? Ela está ainda no começo, mas seus efeitos já são notórios e crescentes. O risco é que no lugar da evolução do conhecimento enxadrístico, ela traga uma visão dogmática e superficial (que era um temor de Fischer, quando percebeu o peso das preparações de abertura em sua época). Podemos nos precaver, há uma coisa que está em nosso poder: desligar um pouco a máquina e pensar com nossos próprios meios. Afinal, o melhor computador já criado está dentro do crânio de cada um de nós.

Bronstein, o mais humano dos grandes mestres

L. Pachman x D. Bronstein
Praga, 1946
Posição após 20. Td2.

“Uma partida que abriu uma nova página no desenvolvimento do pensamento enxadrístico” G. Kasparov


David Bronstein foi o mais humano dos grandes mestres, sem dúvida. Suas análises e ideias sobre o jogo vão além da busca árida por vitórias, mas pela beleza, pela alegria de explorar a vastidão das possibilidades do xadrez. Talvez tenha sido esse seu lado demasiado humano que o fez empatar o match pelo campeonato do mundo contra Botvinnik em 1951 – permanecendo, assim o título com este último. Tigran Petrossian resumiu assim a importância de Bronstein para o xadrez: “Os mais jovens podem pensar que o xadrez moderno começou com coisas como o Informador, mas os jogadores da minha geração sabem que começou com Bronstein”. A prova de que Petrossian não exagerou é que Bronstein é o autor do que talvez seja o mais influente livro sobre o jogo no século XX: Zurich International Chess Tournament, 1953.

Ludek Pachman foi um dos grandes mestres da elite mundial nos anos 50 e 60 (sendo inclusive um dos poucos a ter escore igual contra Bobby Fischer, +2 -2 = 4). Ficou conhecido para a grande maioria dos enxadristas como o autor de obras primas como Modern Chess Strategy.

A posição acima é uma das mais famosas de Bronstein e aconteceu durante o primeiro confronto entre estes dois grandes mestres. O resultado final foi tão avassalador para Pachman que ele jamais conseguiu derrotar Bronstein no restante de seus encontros ao longo dos anos (+0 -5 = 6, o último em 1994)!

Bronstein mostra didaticamente como coordenar a ação concomitante das peças em determinadas casas do tabuleiro (a1, d4 e g3 principalmente), mesmo quando aparentemente as peças estão obstruídas por peças do adversário. O ataque se desenvolve nos dois lados do tabuleiro, ao mesmo tempo, com um só objetivo: matar o Rei branco!

A partida continuou assim: 20.… T×a1! Bronstein explica: “A única esperança branca repousa em seu Bispo de a1. Para demolir os cimentos da posição branca, as negras deveriam tomar o dito bispo com sua torre.” 21.T×a1 B×d4 22.T×d4 C×b3 23.T×d6 D×f2 24.Ta2 D×g3 25.Rh1 D×c3 26.Ta3 B×h3 27.T×b3 B×g2 28.R×g2 D×c4 29.Td4 De6 30.T×b7 Ta8 31.De2 h3+ e as brancas abandonam.

Posição final, 0-1.

1938: um ponto de inflexão nos tabuleiros

Botivinnik,M. Capablanca, J.R.
Rotterdan, 1938
… uma das mais famosas combinações de todos os tempos” – Nunn
E, na 11ª rodada, Botvinnik jogou o que foi em suma ‘a partida de sua vida’ contra Capablanca. ” – Kasparov
Algumas vezes conseguimos identificar claramente os pontos de inflexão da história, esta partidafoi uma dessas ocasiões. Em 1938, os oito maiores mestres de Xadrez do mundo, inclusive Alekhine, o campeão mundial, tomaram parte num torneio que ficou conhecido como um dos mais fortes até hoje realizados. Torneio A.V.R.O. (sigla da empresa patrocinadora do certame), disputado em diferentes cidades da Holanda. Capablanca, então com 50 anos, recém-casado pela segunda vez, enfrentava o jovem Botvinnik, que viria a se tornar, anos depois, o primeiro campeão mundial soviético. Esta partida foi um dos alicerces da reputação de Botvinnik como patriarca do que veio a ser a Escola Soviética de Xadrez, que produziu (de uma forma ou doutra) todos os campeões mundiais de 1948 a 2005, exceto Fischer (americano, campeão de 1972 a 1975).

Capablanca comete uma (rara) falha na avaliação de sua posição, acreditando ser seguro o ganho do peão da coluna ‘a’. Para tanto, o grande cubano deixou um de seus cavalos fora de jogo.

Enquanto isso, Botvinnik fortalecia sua posição no centro e no flanco do rei. Para arrematar sua vitória, o mestre soviético encontrou uma combinação belíssima, que tornou esta partida obrigatória em quase todas as antologias de partidas que se publicaram posteriormente.

A partir do diagrama, a continuação é 30. Ba3!! (deslocando a dama negra da defesa do cavalo em f6) 30. … Dxa3 31. Ch5! (teriam gritado este lance da plateia antes que fosse jogado, tamanha a empolgação dos espectadores com a combinação, mas claro que Botvinnik previu isso muito antes do lance 30) 31. … gxh5 32. Dg5+ Rf8 33. Dxf6 Rg8 34. e7 (tudo agora depende se o rei branco vai encontrar abrigo para os xeques de Capablanca, ainda esperançoso de empatar) 34. … Dc1+ 35. Rf2 Dc2+ 36. Rf3 Dd3+ 37. Rh4 De4+ 38. Rxh5 De2+ 39. Rh4 De4+ 40. g4 De1+ 41. Rh5 eas negras abandonam.

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Xadrez e Trapaça: Soviéticos agiam em Cartel nos Torneios de Candidatos até 1978?

O fato de ser engenheiro, e ter tomado gosto pela investigação científica durante meu mestrado, leva-me a ter contato com variados estudos e artigos, a maioria deles estritamente no ramo da engenharia, mas, algumas vezes, caem em minhas mãos alguns relacionados com uma de minhas maiores paixões: o xadrez.

O artigo em questão tem o seguinte título em inglês: “Did the sovietes collude? A statistical analysis of championship chess 1940 – 1978” de Charles C. Moul e John V.C. Nye publicado em 2009 no nº 70 do periódico científico internacional Journal of Economic Behavior & Organization. Em português, pode ser traduzido assim: Os soviéticos agiram em cartel? Uma análise estatística de campeonatos de xadrez entre 1940 e 1978.

O trabalho trata de analisar dados estatísticos de torneios no período 1940-1978 envolvendo soviéticos e não-soviéticos em eventos internacionais (sob tutela da FIDE) e comparando com torneios no mesmo período jogados apenas por soviéticos (como os campeonatos da URSS). O objetivo é saber se os soviéticos agiam como um cartel em eventos internacionais, empatando rapidamente partidas entre eles e jogando para valer contra os demais. Os autores argumentam que essa estratégia, em torneios longos do tipo todos-contra-todos (abreviarei para T-T) traria melhores resultados aos soviéticos, pois estariam mais descansados (os autores estimaram uma diferença equivalente em rating de 42,8 pontos em favor dos jogadores mais descansados).

Alguns resultados obtidos por eles chamam bastante a atenção e fortalecem a hipótese do cartel para o período investigado (1940 – 1978):

  • Em eventos FIDE do tipo T-T os soviéticos empataram em média 60% das partidas contra seus compatriotas, enquanto que a média geral de empates entre 2 não-soviéticos ou entre um soviético e um não-soviético foi de 50%;
  • Em média, apenas 46% das partidas entre soviéticos em eventos fechados na URSS foram empates, contra 60% em torneios FIDE;
  • Em média, as partidas empatadas entre soviéticos em eventos FIDE foram 8 lances mais curtas que empates entre soviéticos em eventos fechados na URSS;
  • Em torneios FIDE do tipo mata-mata (ou nocaute, KO), não se percebe diferença significativa na quantidade de empates: soviético x soviético (56,2% de empates) e soviético x não-soviético ou 2 não-soviéticos (55,6% de empates).

Após esta primeira comparação, foram analisados os Torneios de Candidatos de 1950 a 1962. Os autores calcularam as probabilidades de vitória de cada participante desses torneios sob 2 hipóteses:

  • A – os soviéticos agiram em cartel, empatando partidas entre eles a fim de “guardarem forças” contra os demais jogadores;
  • B – os soviéticos não agiram em cartel.

Para realizar essa comparação, em cada hipótese (A e B), 10.000 simulações de resultados foram feitas, e calcularam-se as médias dos resultados individuais nessas simulações (no caso A, os resultados entre soviéticos foram simulados como empates; no caso B foram tomados aleatoriamente). No caso B, o resultado médio das simulações foi muito mais coerente com os ratings estimados no site Chessmetrics por Jeff Sonas para os jogadores nas épocas em que os torneios foram realizados.

Segundo os autores, o evento no qual a hipótese do cartel soviético teria maior impacto no resultado seria no famoso Torneio de Candidatos de Zurich 1953, um longo evento T-T de dupla volta em que cada jogador disputou 28 partidas. As chances de vitória de um soviético (eram 9 de um total de 15 participantes) sob a hipótese de cartel foi estimada em 75,7% contra 48,5% de chances se a hipótese fosse falsa.

O Torneio de Candidatos de Curaçao 1962, famoso pela denúncia de Fischer sobre a forma como os soviéticos controlavam o resultados do torneio (e que aparentemente foi uma das motivações para o estudo feito por Moul e Nye) também foi analisado. O torneio contou com 8 jogadores (5 soviéticos) que se enfrentavam todos contra todos 4 vezes! A chance de vitória de um soviético sob a hipótese de cartel foi estimada em 93,7%, contra 80,8% de chances caso a hipótese de cartel seja falsa.

Fischer × Kortchnoi em Curaçao 1962
(fonte: chessbase.com)

Os autores concluem que sua análise, a primeira do tipo a usar forte base estatística para analisar o assunto (segundo eles), apenas reforça a ideia generalizada e facilmente compreensível de que os soviéticos, em eventos no exterior, deveriam estar sujeitos a algumas pressões para agir como um time e que assim o faziam. Eles não dizem nem sim, nem não à pergunta do título, mas afirmam que a probabilidade de ocorrerem os resultados observados na prática sem nenhum tipo de cartel, ou outra estratégia de grupo dos soviéticos, seria muito menor.

Eles deixam claro que, obviamente, este não é o único fator que levou à hegemonia da URSS no xadrez naquele período, mas que, aliada à notória força dos grandes mestres soviéticos, a estratégia de cartel tornava quase impossível a um não-soviético tornar-se o desafiante oficial ao título mundial. Por exemplo, enfatizam o caso de Zurich 1953, quando Reshevsky era o favorito com 28,6% chances de ser o campeão caso não houvesse cartel, mas que, havendo cartel, suas chances cairiam bruscamente para 14,8%. No final, sabemos que o campeão foi Smyslov, com Bronstein e Reshevsky empatados em segundo.

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