LQI: 10 anos quase inocentes!

Não é sempre que se comemora um aniversário de uma década de um blog de xadrez! É com muito orgulho que faço isso no dia de hoje.

Quando eu fiz a postagem #1 deste blog, em 31/05/2010, certamente não imaginava até onde ele me levaria.

1ª postagem do blog LQI

A ideia inicial foi mesmo quase inocente: postar partidas minhas para mostrar para alguns amigos próximos. Era meu retorno ao xadrez competitivo após muitos anos, e o blog me pareceu uma boa ideia.

Com o tempo, porém, o velho ímpeto de escrever (iniciado no longínquo projeto ‘Quase Escritores‘, no qual eu e amigos publicávamos textos não relacionados ao xadrez) foi reaparecendo.

Por que não abrir um pouco o leque?

Passei a escrever textos de natureza variada, quase sempre ligados ao jogo de xadrez: comentários sobre eventos locais, nacionais e internacionais; entrevistas; atualização do rating FIDE/CBX; regras e curiosidades; estudos variados, como o da famosa série invicta de Fischer entre 1970 e 1971 etc.

Acho que vale indicar abaixo algumas das postagens mais lidas do LQI segundo as estatísticas do blog:

Diferentes apresentações do blog LQI
Algumas das “caras” do blog LQI ao longo dos últimos 10 anos

Um belo dia, já com 5 anos de blog, escrevi uma pequena história, um conto, ‘Peça tocada…‘ que teve uma acolhida muito positiva junto a enxadristas e não enxadristas. A satisfação foi muito grande, o que me deu um novo ânimo para continuar.

O hábito de buscar nuances do xadrez que pudessem explicar o cotidiano me levaram de blogueiro a escritor, com a publicação de ‘Que Peça eu Quero Ser?‘ em 2017, mais um trabalho que renovou as forças e me trouxe grande alegria.

Os próprios textos do blog serviram de base para dois de meus ebooks, e espero que outros possam vir como filhos dessa experiência despretensiosa que agora completa uma década.

O blog me colocou em contato com pessoas maravilhosas do mundo das 64 casas, como o Fernando Sá do blog Reino de Caíssa, o gentil jornalista pernambucano Evaldo Costa, que me concedeu a palavra em um dos episódios de seu podcast sobre xadrez mantido pela Folha de Pernambuco, muitos dos principais youtubers brasileiros (que hoje são a tendência em conteúdo de xadrez para internet), além de muitos outros companheiros que compartilham desse amor pelo xadrez. Todos esses, eu só pude conhecer por causa deste blog .

O LQI tornou real e corriqueiro para mim o antigo lema do CXEB: “leva o xadrez, traz o amigo”.

Só posso agradecer àqueles que acompanham este blog, novos ou antigos leitores, que têm me ajudado a manter este espaço por tanto tempo. Espero ainda poder oferecer textos interessantes de vez em quando, quem sabe por mais 10 anos!

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Encontro com o decano do xadrez do Ceará

Coronel Carlos Alberto Ferreira, 97 anos de idade, decano do xadrez cearense!
Não sei se acontece com todos, mas quando eu leio os livros de xadrez dos grandes mestres do passado, parece que eles estão ao meu lado, contando suas histórias vividas numa época áurea do xadrez. Lamento que, de fato, eu não os tenha conhecido; nomes como Bronstein, Najdorf, Kotov, Averbakh… para falar somente daqueles cujos livros eu gosto mais.

Há poucos ainda no mundo que foram contemporâneos desses homens, que leram suas palavras quando a tinta ainda estava fresca no papel, que conheceram alguns deles pessoalmente. Há muito poucos no mundo, mas quantas dessas testemunhas oculares estão próximas de nós?

Será que quietos em sua casa, lendo e jogando xadrez, não existem veneráveis senhores ou senhoras que compartilharam este mundo com grandes jogadores, não necessariamente no mesmo espaço físico, mas ainda assim próximos dos eventos que hoje são somente histórias em livros.

Tive a honra de visitar pela segunda vez uma pessoa assim!

O coronel Carlos Ferreira (apenas Cel Ferreira nos tempos da ativa) é, com certeza, o decano do xadrez cearense (talvez até do Brasil), ainda que muitos dos enxadristas atuais do estado não o conheçam! Ele é uma testemunha das glórias do xadrez desse estado de enorme tradição no jogo (algo que hoje não se fala e divulga da maneira que deveria ser divulgado). Aos 97 anos, com uma lucidez e agilidade mental que demonstram o bem que faz o xadrez! Ele continua professando aos quatro cantos seu amor ao jogo, que pratica desde muito tenra idade!

Nosso decano demonstra grande combatividade no tabuleiro! Cheguei para uma conversa, mas fui desafiado para duas partidas!

Posição final de uma das partidas (Ferreira x Frota, 1/2-1/2)
O Cel Ferreira foi aluno da Escola Preparatória de Fortaleza (que funcionou entre 1942 e 1961 no prédio do atual CMF em Fortaleza-CE), oficial de carreira do Exército Brasileiro, vice-presidente da CBX, organizador do V Zonal Sulamericano de Xadrez (realizado em Fortaleza no ano de 1963), diretor do DETRAN-CE na década de 1960, além de ter atuado na indústria de pesca do Ceará nos anos 1970 e no SENAI nos anos 1980. No xadrez, continua forte jogador até hoje (como comprovei).
Além das partidas, ouvi histórias sobre o mestre Ronald Câmara (cearense, mestre nacional e bi-campeão brasileiro de xadrez) e sobre o também coronel Francisco Alves dos Santos, ou simplesmente Chico Alves (cearense, vice-campeão brasileiro de 1961 e membro da equipe brasileira na Olimpíada de Xadrez de 1972, realizada em Skopje, Alemanha). Ouvi sobre seu contato com nomes importantes como os grandes mestres Eliskases e Mecking.

Na memória do Cel Ferreira, está firme um tempo em que os segredos do xadrez estavam quase inacessíveis, sobretudo por trás da Cortina de Ferro. Contou que certa vez afastou-se do Ceará para residir em Recife, em virtude de sua posição como oficial das Forças Armadas, deixando alguns colegas de mesma força enxadrística que ele. Só que nesse intervalo de alguns anos, chegaram à Fortaleza alguns exemplares da famosa revista soviética de xadrez 64 que foram traduzidos e minuciosamente estudados pelos colegas do coronel. Quando ele voltou, uma surpresa: seus antigos rivais de mesma força eram agora quase invencíveis!

Perguntei: “Coronel, quem é o número 1 de todos os tempos?”. Ele falou sem titubear: “Fischer”! “E quanto a Kasparov?”. “Este fica em segundo”. Mas não pensem que ele ficou preso ao passado, regularmente acompanha partidas dos garotos de hoje, Carlsen e companhia.

O tempo foi curto para ouvir as histórias e jogar as partidas que ambos desejávamos, mas outras visitas virão!

Aproveitando o ensejo, ofertei ao Cel Ferreira um exemplar (único impresso) do meu ebook Xadrez Fascinante, não para concorrer com os clássicos de sua seleta biblioteca de xadrez, mas como singela contribuição de um conterrâneo que também ama esse jogo.

Já deixei a promessa de retornar, jogar mais um pouco, ouvir outras histórias e, quem sabe, poder ofertar o segundo volume do ‘Xadrez Fascinante’, ainda em elaboração.

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Amizade de cores opostas

“Nós éramos amigos e nos tornamos estranhos um para o outro. (…) Que tenhamos de nos tornar estranhos um para o outro é a lei acima de nós: justamente por isso devemos nos tornar também mais veneráveis um para o outro! Justamente por isso deve-se tornar mais sagrado o pensamento de nossa antiga amizade!” Nietzsche (A Gaia Ciência)

Entre os homens, a inimizade é mais antiga que a amizade, como podemos facilmente aferir nas primeiras páginas do Gênesis: a famosa história de Caim e Abel. Será a natureza humana? Essa é a maior razão para venerarmos ainda mais a amizade entre as pessoas!

Houve, uma vez, dois amigos que  se conheceram numa partida de xadrez.

Suas idades eram discrepantes, uma geração de diferença, mas o grande entusiamo pelo jogo, a salutar rivalidade no tabuleiro, as longas conversas sobre os melhores jogadores – um deles (o que jogava de forma mais agressiva) gostava do Karpov, o outro (um jogador mais posicional) venerava o Kasparov – foram transformando os dois em grandes amigos.

Quem nunca escutou dois enxadristas conversando sobre o jogo, não pode imaginar quanto assunto pode aparecer. Eles discutem se é melhor ter dois bispos ou dois cavalos, se devem mover o peão da dama uma ou duas casas na Defesa Siciliana, lembram antigas partidas, lamentam velhos erros, vangloriam-se de sacrifícios de peças e mates mirabolantes.

Aqueles dois amigos não fugiam à regra. Incontáveis vezes um chegava na casa do outro, começavam jogando umas partidas rápidas, de apenas cinco minutos para cada um no relógio. Depois, passavam ao assunto do dia, uma nova abertura que um queria aprender, o outro queria mostrar a última partida do Ivanchuck que vira no jornal de domingo.

Mesmo em esferas mais mundanas, como as namoradas, as metáforas de xadrez estavam todas lá: “tentei um avanço pelo flanco, mas ela defendeu”; “estava há dois lances do mate, mas os pais dela chegaram”.

Os anos, porém, vão colocando mais peças no tabuleiro da vida, as variantes vão-se complicando. Para um deles, chegou o tempo da universidade; o outro já estava trabalhando. A vida foi ficando mais complexa. As conversas mais escassas, o tempo mais curto.

Numa das últimas vezes em que se viram, começaram uma partida, mas não terminaram. Era uma posição de peão da dama. Ficaram de continuar depois. Falaram de alguns conhecidos, de marcar com a turma do xadrez. Desconcertados, ambos procuraram metáforas bem humoradas para aliviar o clima, mas todas pareciam esgotadas, peões que avançaram e não podiam voltar atrás.

Alguém que os observasse naquele momento doloroso teria a impressão de que amizade e inimizade são como as cores do tabuleiro: opostas, distintas, mas sempre lado a lado.

Se soubessem que nunca mais jogariam, que não mais se falariam, talvez tivessem se esforçado mais. Talvez tivessem jogado aquela derradeira partida até o final. Sem saber que era o fim, encerraram a amizade como se encerrassem uma partida, civilizadamente, com um frio aperto de mão.

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O Xadrez do reencontro

Fonte: http://www.themarysue.com/names-of-chess-pawns/ 
Encontrar velhos amigos, pessoas do nosso passado que por algum motivo ficamos anos sem rever, reaviva antigas sensações e emoções. Por alguns instantes esquecemos que o tempo, assim como os peões no xadrez, só tem um sentido, e parece que temos ainda toda a vida pela frente, todos os peões em suas casas iniciais.

O tempo se move conforme as escolhas que fazemos, se jogamos um peão uma ou duas casas, ele jamais retrocede. Uma escolha na vida raramente tem volta.

Hoje, nossas vidas tomaram seus rumos, os rostos de todos guardam semelhanças inconfundíveis com as crianças que fomos. No reencontro, discutimos nosso presente, lembramos do passado, somos todos enxadristas mostrando como jogamos a partida da nossa vida até aqui, expondo nossos planos, orgulhosos dos acertos, críticos com os erros, esperançosos com os lances a frente.

Jogamos o xadrez da vida como quem aprendeu agora mesmo os rudimentos do jogo, somos experientes iniciantes que, por um momento belo de confraternização, se sentem recomeçando, capazes de tudo novamente, por algum breve lapso, uma doce ilusão.

Na despedida, tudo retorna ao ponto atual, peões avançados, escolhas tomadas, dias vividos. Já ansiamos o novo reencontro, uma nova trégua, quando poderemos novamente brincar de retornar os peões, e repetir todos os lances, uma vez mais.

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Aprendendo com os clássicos

 
As maravilhas do Xadrez estão ao alcance de todos aqueles que quebram aquela primeira imagem de jogo hermético, ou de jogo feito apenas para pessoas com inteligência acima do normal.

Foi há muitos anos, no colégio, que eu pela primeira vez, um tabuleiro montado com quelas figuras de madeira. Olhei aquilo e senti algo como uma antiga lembrança recuperada, estranho, já que era só  um menino que não sabia sequer as regras.

Recentemente, retomei contato com vários amigos da época de escola, e muitos deles me perguntam sobre xadrez, alguns demonstrando o sincero desejo de mergulhar nos mistérios do jogo.

Apesar de muitas formas modernas de aprender o jogo, acredito nos clássicos. Então, sugeri a um dos meus amigos, o mais interessado, que buscasse o lendário Xadrez Básico (XB).

Aprender xadrez por um livro antigo pode apresentar alguns desafios, o primeiro é a notação.

Notação é a codificação que os enxadristas usam para preservar suas partidas. É por meio desta simples invenção, que podemos ter hoje em dia o registro de confrontos desde o século XV.

A notação usada no XB é chamada notação descritiva, hoje em desuso prático, mas que ainda está presente no imaginário dos enxadristas, que muitas vezes a usam em conversas: “joguei Peão 4 do Rei”. O livro ensina a notação moderna, a algébrica, mas não a utiliza no texto.

Outro desafio é priorizar o que é mais importante na leitura.

O XB tem uma seção logo no início que analisa lance a lance 4 partidas magistrais. Nelas, a densidade de conhecimento para iniciantes é enorme. Foram as primeiras lições de muitos mestres, bem como de muitos e muitos capivaras, claro.

Para quem tiver curiosidade, coloco abaixo links do ChessGames.com para as 3 primeiras partidas:

A quarta partida comentada, que mostra um rápido ataque, foi jogada por um jogador pouco conhecido, M. Aspa, de brancas contra outro jogador não identificado (N.N.) [3] com as peças pretas. Segue abaixo no visor do GameKnot.com:

Play online chess
No ChessGames, também existe uma compilação de quase todas as partidas completas que estão no XB. Agora, mãos à obra, vamos aprender Xadrez!


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Notas:

    1. Campeão Mundial de Xadrez entre 1921 e 1927
    1. Primeiro oficialmente reconhecido como Campeão Mundial de Xadrez entre 1866 a 1894 (28 nos, ainda um recorde)
  1. No passado, era comum preservar o nome de alguns derrotados ao se publicarem suas partidas, especialmente derrotas mais vergonhosas.